segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

2.1.2 - Os serviços da razão

2.1.2 - Os serviços da razão

A violência na constituição da sociedade tecnológica se implantou como sistema de segurança chamado Estado. A dominação política teve necessidade de nova legitimação violenta, criadora de um sistema estabilizador, que assegure uma normatividade, abrindo entretanto brecha de possibilidade de promoção Incentivadora individual. O Estado dispõe de uma certa margem de violência para intervir, e sua intervenção assegura a forma de por em valor seus próprios princípios. Trata-se de uma legitimação que cria valores e acrescenta uma redistribuição de lucros, mantendo assim estável o sistema. Qualquer disfunção, qualquer crescimento desequilibrado de um dos seus elementos, logo é corrigido em benefício do todo. E a isso corresponde o crescimento de uma ciência. política de controle e de saber que lida com dados relativamente corretos. Evita-se assim uma politização da grande massa da população, cuja opinião “publica” se torna apolítica e é orientada pelos veículos de comunicação.
A despolitização da grande massa. tem suas raízes na concepção de que a ciência e a técnica são portadores da verdade, e é isso que transformou a ciência e a técnica em ideologia, diz Habermas.
No fim do século XIX, o desenvolvimento da técnica entrou em feed-back com as ciências modernas através da pesquisa industrial sob o comando do Estado, que favoreceu em primeiro lugar a tecnologia militar criando os complexos industriais-militares. Desde então, as informações tecnocientíficas de que os civis dispõem provêm dessas fontes, quando são permitidas por concessão do aparelho de segurança militar desde que não constituam segredo de Estado, e assim possam ser liberadas. Estes aspectos também se refletem na individuação. Por isso, assistiu-se a um agigantamento do complexo tecnológico, que fortaleceu ainda mais o Estado, e o colocou muito acima, em relação de grau de poder e de saber, do domínio civil. Apareceram os serviços de informação a serviço do Estado militar, como fonte de orientação do sistema, para defender o Estado de subversões localizadas, seja por atos, seja por idéias, o que pode por em risco o sistema. Nenhuma força que esteja contra os ideais de racionalidade,ou contra o sistema mesmo, tentando concorrer com o sistema, pode ser aceito. Desta forma os serviços da razão defendem a estabilidade ideológica. Esta é uma novidade, já que o poder de decisão do burocrata estatal é vigiado pelo todo do sistema, não se admitindo desvios.
Para descrever a sociedade de serviços, Habermas parte da seguinte frase de Marcuse:
A força liberadora da tecnologia — a instrumentalização das coisas — se converte em obstáculo à liberação, torna-se instrumentalização do homem.[i]

A tecnologia como instrumentalização das coisas se converte em instrumentalização dos homens — condição primordial do viver moderno. O homem instrumentalizado passa a ser instrumento da técnica. A sociedade fica assim desprovida de caráter humano, assiste-se a uma objetivação da sociedade, provocada pela “racionalização”, palavra que Max Weber utiliza para caracterizar a forma capitalista de atividade econômica, a forma de troca própria do sistema de comercio burguês, que aparece a partir do século XII e que se desenvolve no Renascimento ao nível do Direito Romano, a imagem da organização imperialista da sociedade romana, estabelecido no Direito Privado que nasce em substituição à idéia da vida pública grega, até a forma burocrática moderna de controle.
A racionalidade está na base da decisão, a palavra com que os economistas definem a escolha e a ação econômica que detém o mínimo de risco. De posse dos dados estatísticos, o analista, depois do estudo e do cálculo das probabilidades, tem de finalmente assumir o risco de uma decisão.
O ideal do capitalismo, que nasceu no chamado mercado aberto, é conseguir o máximo de objetividade no mínimo de riscos, medo que nunca perdeu devido à característica inicial de jogo de mercado aberto. E é por isso que o Renascimento foi uma época de tantos desastres militares. A Idade Média não foi, passada a época das invasões, uma noite na história do ponto de vista da violência e da crueldade, mas sim o Renascimento: Florença assistiu a um cenário de mortes, e o Vaticano, logo depois de 1500, era invadido por tropas mercenárias que transformaram a capela numa cavalariça. Foi em pleno Renascimento que assistimos ao nascer do Poder cruel, quando aparecem as guerras econômicas para garantir mercados, Os reis da Idade Média guerreavam quase por lazer, enquanto que os reis burgueses do Renascimento criaram a guerra econômica necessária, para garantir ou expandir mercados, no estágio de grande enriquecimento de setores da sociedade que visavam a provocar o “renascimento” do Império Romano. O Renascimento não foi uma releitura da cultura greco-latina, mas um desejo imperialista de fazer renascer os momentos de apogeu do Império Romano. E não é ao acaso que a palavra Renascimento aparece ligada à atual Itália, onde os vestígios monumentais da antiga glória podiam ser vistos a olho nu, e onde ainda se ouviam os ecos do esplendor de Roma.
A racionalidade, desta forma, privilegia a decisão racional. E assim, a instrumentalização do trabalho penetra em todos os domínios do modo de vida do homem burguês, da existência dos povos como planificação e controle. O controle das flutuações de mercado transformou-se em controle da atuação dos homens.
Diz Eduardo Portella:
A história dos nossos dias registra enfaticamente a curva ascendente da terceira revolução industrial e do alto dessa curva a ciência e a representação e a medida de todas as verdades. O “homo technologicus” disfarça a sua agressividade, compensa os seus impulsos reprimidos, rezando a oração de todos os dias no altar da racionalidade mais desenfreada. Essa história monocromática, unidimensional, assiste simultaneamente ao progresso tecnológico e ao esfacelamento constante de todos os ideais estéticos.[ii]

Planificação e a atividade racional para produzir um fim. Essa racionalização da sociedade promoveu a instrumentação do homem como objeto da objetividade. Provocou, por conseqüência, a instituição do progresso como ambição, que gera violência. Tal ambição se manifesta pelo desejo de mais progresso. Os homens, estimulados pelo triunfo da tecnologia-científica, introjetaram a ambição do progresso dentro de si, de tal forma que passaram a viver o desejo do sucesso e o medo do fracasso. Em última análise, permanece o medo de não ser, o medo do vazio e do nada. O resultado deste medo foi a transformação do homem em objeto social.
Criou-se a ilusão de que a evolução do sistema do ponto de vista social é determinada pela lógica do progresso da ciência. Ou seja, maior progresso significaria melhor estabilidade da sociedade industrial.

Ora, uma vez que esta ilusão foi efetivamente bem implantada, a propaganda pode invocar o papel da ciência e da técnica para explicar e legitimar as razões pelas quais, nas sociedades modernas, um processo de formação democrática da vontade política concernente às questões práticas “deve” necessariamente perder toda a função e ceder lugar às decisões de natureza plebiscitária concernentes às alternativas de colocar tal ou qual personagem administrativo na testa do Estado. É a tese da tecnocracia (...)[iii]

O capitalismo regido pelo Estado nasceu para enfrentar o perigo que representava, para o sistema, um antagonismo declarado entre classes, para bloquear o conflito de classes através da “racionalização”. O sistema de capitalismo de serviços se define por uma política que assegura as massas certas gratificações compensadoras, como política de evitar os conflitos que nascem das necessidades que se situam na periferia do domínio do Estado. Tais conflitos são conflitos de interesses, já que as perigosas confrontações de classes foram camufladas e se tornaram latentes. As diferenças de classe ainda existem, no que se refere ao nível de vida, aos hábitos de vida e às atitudes políticas. A classe dos assalariados é mais tocada pelas disparidades sociais do que os outros grupos, criando-se assim uma certa hierarquia de privilégios, uma pirâmide no que antes era constituído por dois blocos distintos: a classe dominante e a classe dominada, O sistema tratou de confundir ou dissolver esta perigosa distinção, numa fusão de interesses, criando-se a noção de um poder distribuitivo e expansivo. O sistema se defende contra o que o coloca em perigo através de um feed-back legitimador permanente, que aperfeiçoou através de séculos de representatividade parlamentar, desde os tribunos do povo, no Império Romano, desaparecidos na Idade Média, mas reintegrados no jogo democrático do século XVIII. A dominação tem feito, pois, uma política “de fachada” sempre, no que se refere a esta repartição compensadora do poder e dos privilégios, e estes interesses transcendem às fronteiras latentes entre as classes dissolvidas.
Entretanto, no Terceiro Mundo não foi totalmente erradicado o importante perigo e todo o potencial do conflito entre classes, porém a “racionalização” já conseguiu um deslocamento da zona conflitante para setores sub-privilegiados da vida social, como o dos negros e dos índios. Mas trata-se, apesar de tudo, de substituir a insolúvel confrontação de forças pela solução de redistribuir as energias sociais da decisão e, conseqüentemente, de dissolver o sistema ao máximo, permitindo interesses econômicos envolvidos. Passamos assim da noção de classe dominante e classe dominada, para um reescalonamento de privilégios, a uma hierarquização dos privilégios, indefinidamente distribuídos, no aparente crescimento da idéia de progressão social. Não é sem motivo que a sociedade vive cheia de mitos modernos de ascensão social individual, de indivíduos que tiveram “sucesso na vida”, estimulando-se assim o próprio condicionamento. E a atual onda de crises econômicas serve para desviar a atenção do verdadeiro problema.
As reivindicações modernas guardam na raiz o caráter de apelo, não a força de uma real luta de classes: esse é o ideal da sociedade do capitalismo de serviços. Assim como apelo, e não como confronto, não tem as reivindicações um aspecto de contestação revolucionaria. Além do que o Estado tem redistribuído seu poder, e os grupos sub-privilegiados da massa despolitizada não sabem mesmo contra quem lutar. Como diz o Quixote, “eu já nem sei o que consigo à custa de tantos trabalhos”. Um repórter norte-americano, em 1957, quando o primeiro satélite artificial foi posto em órbita, disse que era o primeiro “passo para libertar o homem de sua prisão”[iv]. Pois “a humanidade não permanecerá para sempre presa a terra”, disse um cientista, na época. A terra (o planeta), e o mundo (artifício humano) pareceram a estes indivíduos como lugares não muito interessantes para o gênero humano. Diz Arendt[v] que o problema tem a ver com o fato de que as “verdades” científicas atuais, embora possuam demonstrabilidade matemática , comprovação tecnológica, já não podem entrar no discurso humano normal, na fala normal da vida diária, no raciocínio do homem da chamada opinião pública. O positivismo elevou a ciência ao ponto de transformá-la numa nova lei, uma nova fé, que responde a tudo, a que todos respeitam as cegas, sem compreender. As massas das sociedades regidas pelo capitalismo avançado, anônimas e despolitizadas, sem chances de participação política decisiva, exceto no simbólico ritual do voto e dos comentários, passivamente recebidos pela TV, que de tudo participa e que traz para a vida privada os “grandes momentos” decisivos da história, rendem culto a uma tecnologia que detém o poder e o saber num ponto inquestionável do mundo moderno, a saber, a força do militarismo que deriva dos ideais de segurança interna e de defesa externa. O saber científico e a técnica (definida como a instrumentalização do saber científico) se prestam hoje a responder a qualquer indagação e à totalidade dos problemas sociais. Assim, não só a realidade é mascarada, como os problemas sociais são dissolvidos numa sociedade de participação de massa, numa “democracia de massa”, ou Estado Social.
Para ajustar as atitudes culturais dos cidadãos com o Estado, e mesmo com os Estados socialistas burocráticos (onde o critério de dominação tecnológica e comunicativa e talvez ainda mais radical), as massas são levadas a adotar um modelo de vida pelo qual a ilusão de felicidade e de satisfação das necessidades (ou pseudo-necessidades criadas pela programação do consumo, que condiciona os indivíduos ao consumo) exclui o recurso ao discurso propriamente dito (excetuando-se os discursos políticos, camuflados de propaganda comercial, cujo resultado ou fim a atingir é o de formar “opinião pública”.)
Mesmo um discurso de “oposição” ao sistema parece entrar nas aspirações do Poder, a fim de que o Estado que o sistematiza possua uma possibilidade de feed-back, para reorganização e reorientação de suas forças produtivas. As oposições sempre correspondem a uma luta entre setores do Poder, nunca a uma confrontação com ele, o que seria unia atitude de irracionalidade anárquica, um apelo a formas sentimentais românticas, desprovidas de razão científica. Em tudo, pois, o que predomina é a existência de uma ciência política que detém o saber e a capacidade de correção dos desvios da norma. E assim as oposições necessárias ao sistema são necessidades da própria sobrevivência e fortalecimento do sistema como entidade viva.
Os discursos individuais perdem quase completamente o valor, e o pensamento critico só se exerce em certas áreas acadêmicas, isoladas e sem participação na formação da narcotizada “opinião pública”, quando são permeadas pelos sistemas educacionais, que visam sempre à melhoria do homem como indivíduo objetivado, e melhores condições de vida são propostas, embora através de uma “civilização” do indivíduo.
O pensamento crítico ficou acuado em certas áreas imunes a tecnologia, tais como as ciências sociais e as ciências humanas, que tem primeiro a permissão e depois a legitimação de um direito de fazer mais análise do que crítica, ainda que científica, de que se beneficia o sistema em sua posição. O professor e o intelectual tem o seu papel social reconhecido e pago pelo Estado para criticamente analisá-lo e reorientá-lo.
O progresso científico e técnico assumiu nos tempos modernos um caráter cumulativo, marcando compasso de infinito progresso que não admite concorrência com qualquer outra forma de progresso nos campos especificamente humanos. O progresso tecnocientífico esmaga os valores gratuitos, restringindo-os ao campo do “lazer” socializado, não admitindo validade quando desprovidos de razão tecnológica. Toda forma ecológica de comportamento tem sido legitimada e absorvida pelo Estado, fundindo-se com o sistema.
As religiões passaram, para manterem-se vivas, a constituir-se em espécies de partidos políticos, partidários do jogo do Poder. Só assim se tornaram legitimadas no mundo moderno, e vigoram no meio de tudo. Se a igreja não tivesse sido instituída como religião pelo imperador Constantino, em 312, certamente não teria sobrevivido.
E a dominação do Estado se faz no interior do sujeito objetivado, onde esses traços se encontram.
No século XVIII, a ciência projetou um progresso científico que depois foi realmente atualizado, em cima das aspirações da burguesia. E no século XIX, o progresso social criou condições para a emancipação das massas proletárias, unificadas no trabalho de base na revolução industrial.
As promessas de felicidade coletiva se frustraram, já que o crescente automatismo, que acenava com a possibilidade de o homem libertar-se do ônus do trabalho pelo desenvolvimento tecnocientífico, acabou tido trabalhando no projeto humano. Uma sociedade de escravos do trabalho, vítimas de um agigantamento de um poder burocrático invisível, se formou. A revolução industrial transformou toda a sociedade humana numa massa de trabalhadores. O século das luzes projetou uma revolução cultural que acabou dissolvida, E a produtividade do pensar foi ultrapassada pelo pragmatismo. O século XX ficou marcado pelas grandes multidões apressadas e pela violência.
A racionalidade com relação a um fim e o método de relação comercial próprio do capitalismo e da administração moderna. Em nome da “racionalidade” se determina uma estratégia política. A racionalidade consiste em marcar a estratégia de afastar, tecnologicamente os riscos da imprevisibilidade que possam ameaçar o sistema, num esforço de planificação, de antepor-se aos fatos, de prevenir as crises. Os interesses da racionalidade não são os da razão clássica, mas os da economia, com a finalidade de controle de dadas situações de lucro, tais como o controle de sistema de mercado. O positivismo, como razão política, tem então um avançado grau de totalitarismo que, partindo das relações comerciais instala-se nas relações sociais. E assim, a objetividade racionalista a afasta de si as imprecisas determinações do sujeito, objetivando o próprio sujeito. O indivíduo tornou-se objeto a ser controlado, cujos desejos devem ser satisfeitos de tal ou qual maneira, e fazendo-o ter necessidades novas para fins exclusivos do mercado, mascarando, na promessa de um bem-estar, uma dominação através do conhecimento dos mecanismos internos do desejo. O sujeito assim se torna objeto do sistema de resultados visando a um fim lucrativo, como objeto do condicionamento, institucionalizando o sucesso através de maior produtividade para o próprio sistema, na ilusão de que melhores salários daí decorrerão, e uma conseqüente melhoria do padrão de satisfação dos desejos.
Não é bem a utilização, mas a técnica mesma é dominadora, e não admite oposições. Ela e em si mesma, não só um instrumento de dominação, mas dominadora por sua própria natureza de excluir meios ineficazes de atingir os fins, para o mínimo de desgaste e de investimento da energia social chamada capital. Trata-se da economia de forças para a máxima rentabilidade, com o mínimo de dispêndio de forças. A técnica aparece como instrumento de dominação metódico. A técnica é o próprio método. As sociedades perderam, no capitalismo de serviços, o caráter de palco de exploração disfarçada e de repressão legitimada , em favor de uma “raciona1ização’’ que trabalha pelo bem econômico, contra o que nada se pode fazer. O bem de todos, ou o bem social , trata a sociedade como um fim último, na qual os indivíduos são meros instrumentos ou elementos de sua constituição. O nascimento da clínica significa que o indivíduo que não se ajusta ao fluxo da produtividade está doente. Tudo que não é produtivo, passa a significar fracasso.
As formas de objetividade social externa e interna significam que a sociedade acena para os indivíduos com a promessa de felicidade. Toda satisfação é radicalmente promessa. Os elementos da produção da sociedade de massa apelam para aspectos do desejo. toda a estrutura da sociedade capitalista está orientada no sentido de satisfazer o desejo, e onde esse desejo é identificado principalmente como motor de produtividade.
Na busca da saturação de necessidades, assistimos hoje ao aparecimento da massa colaboradora do regime da sociedade, onde há o mínimo de ação política propriamente dita.
O lazer é a área programada para a recuperação das energias do trabalho produtivo. O lazer é fonte de produtividade social e se transforma em indústria.
Uma lei básica é a de que nada deve ser inaproveitado pela tecnologia industrial.
A não-produtividade passa a ser uma “irracionalidade”. A repressão na sociedade moderna está camuflada sob promessa hedonística, não se faz às claras. O mais sutil aparelho de repressão é a própria esperança. A esperança é a promessa de um bem futuro, seja no céu, seja nos bens de consumo.
A raiz da crise atual do capitalismo foi localizada por Daniel Bell nos seguintes fatos:
O moderno capitalismo deixou de ser capitalismo de produção de bens de consumo para transformar-se em capitalismo (sob controle estatal) de produção de serviços (saúde, educação, treinamento, lazer e cultura). O aumento da produção de serviços e a produtividade crescente, além da ameaça inflacionária (devido a demandas salariais e a crescente tendência ao aumento do “funcionários” públicos que prestam serviços sociais), e além da redução da capacidade competitiva dos E.U.A. no mercado mundial são considerados as raízes da crise atual. Os conflitos políticos do futuro [isto é, os atuais, já que o texto de Bell é de 1972] eclodiriam em torno de problemas de interesse público (produção de serviços.), tais como saúde, educação, proteção ambiental, criminalidade etc. Mas isto tudo de modo diferente do Manifesto Comunista de 1848 e dos revolucionários estudantis de 1968. Na economia permanece a questão trabalhista. Mas não na sociologia e na cultura, nem na política. Neste sentido, as mudanças e os conflitos da sociedade pós-industrial representam uma mudança ideológica na atual sociedade ocidental[vi]

Um dos problemas da sociedade moderna é que ela criou massas de subempregados ou de assalariados com insuficientes recursos para as necessidades básicas de alimentação, morando em acampamentos marginais. O problema social do mundo moderno não é a pobreza em si, como demonstração de má distribuição dos recursos disponíveis. O problema que desafia as sociedades modernas e o de saber melhor remunerar o subemprego, transformando os subempregados em novos consumidores.
Por isso, houve a formação de organizações controladoras de tudo, tecnicamente necessárias, a organização de uma sociedade racionalizada
A racionalidade e a medida apologética que permite justificar “essas mesmas relações de produção com o quadro institucional adequado à sua função”[vii].      A racionalidade se acha camuflada, desta maneira, como corretivo do sistema. hoje, a dominação se acha legitimada como poder científico. Tecnologicamente falando, e impossível qualquer forma de emancipação, de auto-libertação e maturidade dos indivíduos. Tudo está programado, qualquer esforço libertário individual é tido como irracional. O que se quer é a “cura” do indivíduo de qualquer emoção inquietante, de qualquer nostalgia de uma época sonhada. Por isso, no conto de Guimarães Rosa, A terceira margem do rio, o que se espera é a cura do pai, sua desistência da medonha teima, o organizar-se dos blocos da lei que ele havia desorganizado (a Lei do Pai), construtora do ritmo do viver. O fato da libertação aparece não só como irracionalidade ou comportamento apolítico, mas como loucura mesmo. Loucura e a incapacidade de se comunicar eficazmente com o outro. Cortando a comunicação, a loucura corta a ligação com o continente racional.
Os motivos sociais são mascarados por imperativos técnicos, onde se identificam técnica, dominação, racionalidade e produtividade.
Poderíamos argumentar que a técnica não é em si mesma opressora, mas esta a serviço da opressão. Ocorre que seu desenvolvimento é caro e ela é produto das nações mais ricas e desenvolvidas, em conseqüência do fato de que saber é poder. O interesse das classes dominantes no século passado, que alguns séculos antes dispunham da ideologia dominante da Igreja, encontrou o saber científico e as premissas do positivismo para legitimar-se, desenvolvendo meios de produção justificáveis pelo alargamento da revolução industrial. A ciência, em virtude de seu próprio método, partindo do desejo de dominar os elementos de uma ciência natural, passou no século seguinte a dominar os homens. instrumentalizando-se, instrumentalizou os homens, condicionando-os no que se torna indispensável à vida diária. Tudo o que os homens criam, ou com que convivem durante muito tempo, torna-se logo elemento indispensável e totalmente condicionante, ou seja, tudo o que o homem cria logo se torna condição de sua existência, por isso dissemos que o homem não deve poder mais passar sem os produtos tecnológicos de que dispõe no mundo da sociedade moderna. Toda parafernália bélica é uma conseqüência disso, um aspecto dessa dominação condicionante. A tecnologia industrial não só fabrica os produtos industriais, como também promove esses produtos à condição necessária. E é bem claro que, numa sociedade de consumo rápido de objetos descartáveis, o próprio sujeito esteja prestes a se tornar uma espécie de bem descartável.
Habermas distingue sistemas sociais em que predomina o trabalho (atividade visando a um fim) de outros que predomina a interação (ou comunicação)
Chama de quadro institucional de uma sociedade a um conjunto de normas que orientam as interações mediatizadas pela linguagem. Entretanto, existem subsistemas, como o sistema econômico e o aparelho do Estado, nos quais é essencial o primado da atividade racional com relação a um fim específico que se acha institucionalizado. Além desses, existem, em contrapartida, subsistemas como o da família ou das relações de parentesco, que repousam essencialmente sobre regras morais de integração ou comunicação.
Nos sistemas de atividade racional relativa a um fim, instrumental ou estrategicamente os fins perseguidos são os da produtividade, e de todas as suas relações, tais como o emprego e o desenvolvimento. Esses sistemas obedecem a certas regras de probabilidade, certas regras técnicas determinadas, visando as forças econômicas, a produtividade, ao sistema salarial e a distribuição da renda. Relacionam-se com certos perigos que tendem a controlar, tais como o da inflação, o desemprego e as relações comerciais flutuantes. Todo o sistema de relações sociais visando a um fim específico tende a lutar apenas para manter o sistema como tal. O sistema tende a sobreviver, como organismo vivo, e a despeito do próprio homem.
As sociedades do mundo moderno constituem evolução das sociedades tradicionais, que eram construídas de sistemas sociais que correspondiam a critérios gerais de cultura evoluída, e se apoiavam sobre uma economia dependente da agricultura e do artesanato. Aquelas sociedades não toleravam inovações técnicas ou aperfeiçoamento na natureza de sua organização, inovações essas que possivelmente ameaçariam desestruturar o sis­tema corno um todo. Aquelas sociedades existiam há muito mais tempo que o desenvolvimento dos subsistemas de atividades racionais orientadas para um fim específico. Foram esses subsistemas que acabaram por predominar, isto é, a institucionalização do trabalho organizado com relação a um fim cresceu e se tornou o sistema social propriamente dito, absorveu a estrutura social das sociedades tradicionais.
Foi o modo de produção capitalista que adotou o sistema econômico racionalizado sob controle estatal a partir da Primeira Guerra Mundial, sob mecanismos reguladores, assegurando à produtividade do trabalho um progresso cada vez mais desenvolvido e um método de exploração de recursos, em que tudo é testado por aparelhos cada vez mais sofisticados e aperfeiçoados de tempos em tempos, criando assim a pesquisa industrial.
No mundo moderno, a saída se encontra na produtividade e suas conseqüências, tais como os sistemas de crédito e o planejamento
O que sustenta esse sistema de capitalismo avançado é o desejo de lucros, o aumento do capital das empresas, as investidas econômicas, o progresso de sucesso dos “melhores” e dos ‘‘maiores’’, a performance do lucro líquido, embora com a conseqüente e aparente distribuição pelo sistema de participação dos empregados das empresas. E onde até as chamadas políticas de interesse social nada mais são do que investimentos sociais, isto é, o sistema investe recursos nos homens e tal investimento, como qualquer outro, é uma atividade racional visando a um fim de retorno, igualmente financeiro para aumentar a produtividade.
Os sistemas econômicos modernos foram beneficiados pela ciência estatística, para o fim de padronizar o grau de eficiência das empresas e para a previsão da relação correta entre o investimento. a produtividade e a lucratividade (lucro líquido sobre o faturamento da empresa), em que há estatísticas para tudo, principalmente para as taxas de crescimento comparativamente ao lucro, ao patrimônio investido e ao imobilizado com as instalações.
Essa tecnologia reguladora do sistema econômico assegurou ao capitalismo avançado um crescimento contínuo, embora pontuado de crises, através de novas estratégias, de novas tecnologias, de tal forma que a inovação foi institucionalizada como uma necessidade, para auto-regulação do próprio crescimento econômico, o que é totalmente o oposto das sociedades tradicionais. Essa inovação institucionalizada provoca um processo de modernização contínua, não significando que o sistema se modifique estruturalmente pelo novo, mas que sua estrutura dinâmica cresça e evolua com novas tendências e formulas de regulação, num movimento de expansão da atividade de racionalização, assumindo a forma legítima de dominação e de totalitarismo. E a isso corresponde o fim das sociedades tradicionais.
Diz Habermas que o “capitalismo se define por um modo de produção que não somente põe em problema como também o resolve”[viii] A legitimação da sociedade capitalista não desce do céu, como na Idade Média, mas está estabelecida sobre a base do trabalho social. O sistema de dominação do mundo moderno está justificado, invocando-se a legitimação das relações de produção, onde o mecanismo econômico fica em permanente expansão, desde o subsistema de onde se originou e onde começou a crescer, a saber, o subsistema que era constituído pela organização racional visando a um fim específico dentro do sistema da sociedade tradicional . Agora, os sistemas de dominação estão adaptados as exigências de racionalidade.
A racionalidade “por baixo” significa a adaptação as condições da mudança comercial e aos novos modos de produção, a infra-estrutura social (o sistema escolar, por exemplo, as Forças Armadas, a família, isto é, uma urbanização das formas de vida).
A esta racionalização “por baixo”, corresponde uma racionalização “por alto”, a saber, trata-se de legitimar a dominação e orientar; a ação
A visão do mundo tradicional perde diante disto sua força e validade. São destituídos de valor os mitos,as religiões, as metafísicas justificativas. Em lugar disto, aparecem éticas e crenças subjetivas, que asseguram o caráter obrigatório da orientação moderna.
Analisaremos o processo de violência do mundo moderno e o fato de que o processo de “racionalização” pode engendrar, através do condicionamento, maior aceleramento no processo de opressão violenta do Estado sobre o homem, e das nações desenvolvidas sobre as outras (ver Habermas, 1975). Deve-se então considerar que, se como diz Benjamin (1971) o poder controlador do Estado fica violento por sua própria definição relativa ao Direito e à Justiça (pois os indivíduos transferem a violência individual, delegando-a ao Estado), é possível haver outras formas de harmonização e integração que substituam o controle opressor por outra forma mais humana (tal como a comunicação), pois todo controle parece ter-se tornado necessariamente violento, e a interação diminuída ou transformada em mero ritual (como o do voto)
Nas sociedades primitivas a guerra, a caça e o sacrifício tinham como foi dito a função de desviar a violência, criando-se mecanismo para descarregar as energias violentas do grupo social, desviando-se as vezes dos seus verdadeiros fins autodestrutivos para a figura do “bode expiatório”, que recebia em si toda carga de culpabilidade, embora posteriormente, depois do sacrifício, ficava sendo “sagrado”. A vítima sacrificial das cerimônias religiosas, deste modo, tinha um efeito singularmente catártico como restaurador da paz e da estabilidade dentro do grupo.
É certo que as sociedades primitivas viviam ainda num agrupamento em que a violência tinha função defensiva, mantenedora da sobrevivência do grupo, e neste quadro a violência se não era um mal completo, era pelo menos “justificada” parcialmente, como uma necessidade de todo o grupo de defender-se do ambiente hostil e perigoso, contra a natureza ainda não domada, sem que se dispusessem dos mecanismos de defesa de que dispunham as sociedades agrárias tradicionais posteriores. Assim, além de aplacar os deuses, através do sacrifício de uma vítima não só pura como também inocente, os homens aplacavam sua própria violência, provocada por frustrações daquilo que desejavam e que não conseguiam, como uma boa colheita. A vítima, na maioria das vezes pura, sem nada a ver com o próprio problema, era imediatamente acusada, declarada culpada das desgraças e/ou desavenças existentes no seio do grupo social para, depois de considerada culpada, ser sacrificada aos deuses e passar para a condição sagrada, por um processo mítico.
Assim, a violência é a reação provocada pela não realização de um desejo latente ou manifesto, desejo este considerado como condicionante e as vezes expansivo.
O processo do condicionamento, as vezes expansivo, se por uma imitação em que o indivíduo primeiro vê o sucesso do outro em conseguir determinado fim, em realizar alguma tarefa, em conseguir um determinado objeto considerado como valioso para os dois. O sucesso do outro, associado ao fracasso inicial, faz com que um deseje imitar o outro, seja na consecução de determinada tarefa para obtenção de um fim específico, seja na consecução de certo objeto considerado útil pelos dois. A repetição da ação imitada e o respectivo sucesso alcançado gera o processo do condicionamento da imitação.
Uma vez estabelecido o condicionamento, como forma de desejo, pode ocorrer que se torne expansivo, como no caso da individuação desejar aumentar a sua produtividade, ou dominar os demais.
A ação condicionada do condicionamento mimético é, portanto, a repetição com êxito de uma ação por um processo de imitação da ação de outro que, inteligente ou fortuitamente alcançara anterior êxito na consecução de determinado fim considerado valioso para os dois. Mas pode ocorrer que uma individuação consiga um objeto que lhe é útil ou que lhe dá alguma satisfação de qualquer modo. Este objeto, então, passa a ser desejado por outro, e aqui se aplica o mesmo princípio do condicionamento mimético, ou seja, se um deseja, o outro deve desejá-lo, pois o outro não é diferente, e portanto se aquele objeto é útil ou dá satisfação a um é igualmente certo que também seja útil ou proporcione igual satisfação ou prazer que o outro quer experimentar também. E assim, por imitação, luta-se para conseguir o mesmo objeto, ou se prepara para obtê-lo do outro que o tem, utilizando os meios disponíveis entre os quais o mais natural é a própria violência.
Assim, a observação cria o desejo e a imitação que, por sua vez, vai gerar o condicionamento.
É claro que pode ocorrer não apenas a observação, mas o próprio contato com o objeto. E então o contato gera a sensação, a sensação gera a experiência (já memória, agradável ou desagradável) , a experiência gera o condicionamento da repetição e assim por diante (estrutura encontrada no budismo)[ix][x]
Esta energia humana, quando utilizada sobre a individuação para obter um determinado objeto de que esta dispõe, e pa­ra a primeira é considerada útil, gera a ação da primeira sobre a segunda, chamada violência.
Podemos considerar que, toda vez que um primeiro age sobre um segundo, para conseguir deste qualquer coisa que este não lhe queira dar, isto é chamado ação violência. A força em si não é violenta, embora se exerça com ou sem dano sobre a natureza.
A violência pode assumir também o aspecto intelectual, ou astúcia, que é um artifício da inteligência para conseguir algum objeto que alguém não queira dar a princípio.
A violência é sempre provocada por uma crise imitativa enraizada no desejo de algum objeto. O desejo, aqui, é o desejo lógico, que sabe o que quer. Não se trata de referir-nos àquele nível de desejo que se coloca na latência do inconsciente. O desejo, no nível do inconsciente, se esconde, mascara-se, desviando o seu objeto, Aqui consideramos aquele desejo manifesto, não o desejo latente. Desejo é o desejo hegeliano, o que se objetiva sabendo o que quer, fora das pulsações do inconsciente. E podemos considerar aqui o desejo lógico como princípio do condicionamento que analisamos, e cuja noção ainda será desenvolvida, e que se torna causa de tudo, principalmente da violência e do progresso, de tal maneira que se pode dizer que o desejo aspira a sua própria resistência, isto e, o desejo se realiza e se manifesta enquanto pode satisfazer-se, incansavelmente, sem se esgotar nunca enquanto existe o processo vital. Assim, neste infindável processo de desejar do desejo, o próprio desejo aspira a uma resistência para limitar-se como tal (Girard).
Para corrigir, orientar ou estabilizar o impulso do desejo violento, ou seja, do condicionamento expansivo, aparecem as proibições e controle, hoje desempenho do Estado. A repressão do Estado, nas sociedades modernas, representada pela instituição do Direito e da Justiça, substitui as antigas repressões do desejo bruto.
Para melhor esclarecer o conceito de condicionamento, tomaremos elementos de causa e efeito, na ordem de sua originação interdependente, pela simplicidade e para servir sem complexidades para os esclarecimentos presentes, como faziam os textos budistas do budismo Theravada.
Assim, consideramos a realidade (a sociedade) como regida por uma crise natural e permanente, por um contínuo processo de desvio da norma, por um processo de desestabilização produtora do devir e do “progresso”.
Devido a essa crise permanente, há o desejo de permanência, de controle, de “racionalização”. Assim se parte para a ação que e uma tentativa de harmonização do sistema pela integração comunicativa, onde o condicionamento de todos é harmonizado num todo com que se possa conviver sem o uso da violência. Através da ação de um grupo de forças surge a consciência sócio-econômica, aparece a “racionalização”. Através da “racionalização”, aparece o condicionamento. Assim, no nível social:
a)                  Devido a crise da realidade aparece a ‘‘racionalização’’,
b)                  A “racionalização” gera o controle e a repressão;
c)                  O controle e a repressão geram: 1°) a violência, ou 2°)a interação comunicativa.
No nível individuante, o processo se pode estabelecer da seguinte maneira:
a)                  Devido a crise exterior e interior da individuação, surge a vontade de segurança individuante;
b)                 Da vontade de segurança individuante surge a ação volitiva;
c)                  Da ação volitiva surge: 1°) o condicionamento, ou 2°) a consciência política.
Por crise entendemos a natureza da realidade interior e exterior, que se acentuou com o aparecimento do capitalismo de mercado aberto e da livre iniciativa, a partir do séc. XII, e significa o contínuo estágio de modificação por que está sempre passando a sociedade desde então até o estágio de economia de Estado do capitalismo monopolista. Nasce da própria natureza da instabilidade das flutuações do mercado.
Por “racionalização” (palavra que Habermas toma a Max Weber) entendemos aqui a vontade de sistematizar e reequilibrar permanentemente o sistema, que tende para permanente desequilíbrio, e que sempre está sentindo-se ameaçado pelo crescimento ou enfraquecimento anormal de algum de seus elementos constitutivos. Nasce da necessidade de segurança, de planejamento, e é exercida nas sociedades modernas pelo Estado, através de uma tecnologia científica de caráter econômico-político. A crise engendra, assim a “racionalização”.
A “racionalização” produz o controle e a repressão, através dos mecanismos (aparelhos) de defesa do Estado que, defendendo-se, assegura a sobrevivência do sistema e, portanto, da própria sociedade. Essas noções serão desenvolvidas adiante, sistematizadas, e representam um aspecto ao nosso ver fundamental para a compreensão da subjetividade nos tempos atuais.
O controle se dá de diversas maneiras, como através da sistemática das leis e da taxação de impostos. A repressão é tarefa da Justiça e do Direito, e seus meios policiais de funcionamento. O controle e a repressão podem engendrar l°) a violência, e 2°) a consciência comunicativa. A consciência comunicativa era o que vigorava na polis grega, entre os homens livres. A diferença entre repressão e violência se dá na relação de grau: menor (na repressão) ou maior (na violência) , no que se refere a ação do controle. Assim, o controle pode gerar 1°) a repressão e 2°) a violência, sendo que entre a l° e a 2° se estabelece uma relação diferencial, havendo certa zona limítrofe em que não se pode distinguir uma da outra. Há consciência comunicativa quando nenhuma individuação é obrigada a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa que não seja movida pela persuasão, isto é, pelo poder da argumentação. É claro que quando, por consentimento de todos componentes do grupo social ou de seus representantes, esgotaram-se a capacidade humana de persuasão e argumentação, isto é, de diálogo e de educação, só resta o apelo à repressão, através da interdição. No campo da consciência comunicativa (termo usado por Eduardo Portella) é que se pode exercer com grande vigor e efetividade o exercício da literatura, como queria Horácio, como apreensão do real, no campo do sonho e da catártica elevação do espírito, como educação e desenvolvimento dos sentimentos da cortesia e da solidariedade, movidos pela inteligência do convívio, para o desenvolvimento da coexistência, e para que o gênero humano possa conviver com o mínimo atrito e sofrimento possíveis com a permanente natureza desestabilizadora de que não pode fugir, e que representa sua própria natureza, e por conseqüência a natureza de seu próprio mundo, pois o homem é o mundo. Entretanto, todas essas propostas ficam no terreno vacilante dos materiais utópicos, como possibilidade e não como verdade, ainda que, como dizia E. Bloch (1966), a possibilidade também participa da natureza da verdade.
Assim, o controle e a repressão podem engendrar violência sempre que se ensurdecem os mecanismos de comunicação e o poder do diálogo, como o representado pelo parlamentarismo, e quando nas sociedades modernas o poder do Estado se exerce co­mo um bloco monolítico de controle burocrático do complexo industrial-militar, o que caracteriza as sociedades de capitalismo monopolista e de socialismo totalitário, e quando o Estado sufoca, por sua própria grandeza, o diálogo e as reivindicações de subgrupos da sociedade, os chamados “grupos minoritários”. A violência se caracteriza também quando todo o mecanismo sofisticado de Estado está programado por perverso pragmatismo, caracterizado por uma indiferença burocrática, por uma impessoalidade frente as emoções humanas, como e o tipo de Estado que aparece em alguns textos de Kafka.
Do ponto de vista individuante, a crise permanente provoca o nascimento da vontade de segurança da unidade. Trata-se do fato de que a individuação se vê ameaçada pelo caráter insatisfatório e instável do mundo exterior que o cerca, e essa vontade de segurança nasce do medo primordial ou medo da morte. A vontade de segurança provoca nela a ação volitiva, que se caracteriza pela especialização, pela busca de segurança, pela aquisição dos bens de consumo e de propriedade privada (analisada por Engels na Segunda parte da Origem da família e da propriedade privada), quando a individuação se refugia em si mesma, como que no interior de uma ostra, nas relações da privacidade (nascida no séc. XVIII) e da economia doméstica.
A ação volitiva, nascida da vontade de segurança individuante, pode gerar: l°) o condicionamento (aquisitivo, competitivo) ou 2°) a consciência política.
O condicionamento é o desejo básico, claro, lógico, desejo de posse, de crescer e de “progresso” (que se reflete no plano social), através da concorrência inter-individuante, que e expansiva, que tende a extrapolar os fundamentos da segurança unitária para passar a ser desejo de dominação, de poder, no crescimento de sua área de dominação e de influência, além do natural e conhecido desejo nascido do desenvolvimento da família e da propriedade privada. Podemos dizer que a maioria individuante tende a um crescimento de si mesma, neste sentido. Assim, um vê um bem do outro, e o deseja, por imitação. E, tendo realizado este desejo com sucesso, amplia sua capacidade de desejar.
A consciência política, minoritária, mais rara, é o que e conseguido quando há educação para a coexistência, mais humana e mais inteligente, representando um alto grau de maturidade do homem, de emancipação, através da compreensão do outro através da autoconsciência, o que altera de certo modo a estrutura do meio social em que vive.
Assim, enquanto o condicionamento tende para o automatismo, a consciência política tende para a consciência, ou conhecimento do outro.
Em síntese, o que dissemos até agora:
Quadro I
Ponto de vista social
Crise permanente à
Racionalização
Racionalização à
Controle e repressão

Violência
Controle e repressão à
Consciência comunicativa

Quadro II
Ponto de vista individuante
Crise permanente à
Vontade de segurança individuante
Vontade de segurança individuante à
Ação volitiva

Condicionamento
Ação volitiva à
Consciência política

2.2.1.1 - A Crise Permanente#

A crise permanente das sociedades de capitalismo monopolista controladas pelo Estado, por isso mesmo chamadas de Estado Social por Habermas, foram investigadas em outro capítulo, do ponto de vista social. Entretanto, acrescentaremos ainda algumas considerações, partindo do ponto de vista da individuação.
Do ponto de vista social, o fenômeno desestabilizador pode ser considerado como uma ampliação do fenômeno individuante. Este conceito parte da própria figura que oferece a vida dos seres humanos, seja individuante, seja social. Enraíza-se na idéia de “instabilidade”, portanto sofrimento e dor, de angústia causada pela instabilidade natural de tudo, seja objetivamente, seja subjetivamente. Vai do estado de sofrimento vago, tão explorado na literatura romântica, até a profunda angústia e sentimento de inocuidade, chegando ao sofrimento ordinário da vida cotidiana. Representa o perigo e o medo, a queda e o mal, a alternância do melhor com o pior. É a ausência de emancipação, liberdade, como determinação ou como condição da vida biológica.
O fenômeno da crise permanente também pode indicar a consciência comunicativa ou consciência política com o fim de possível maturidade que pode surgir. Mas, o contínuo estado de crise em que vive normalmente o sujeito e a sociedade tem a ver com a não-permanência, com a não-compleição, com a natureza modificadora de tudo, num começar e terminar para novo começo. a interdependência, que dificulta o ideal de libertação integral, num mundo cujos elementos constitutivos não têm nem duração nem estabilidade, em que tudo está mudando sempre, onde até mesmo nem as pedras permanecem. Onde não há nem imortalidade, nem eternidade. Ou onde o eterno é o eterno retorno.
E tudo está em movimento, e portanto tudo é efemeridade, como proclamaram os poetas de todos os tempos.
Diz Eduardo Portella:
A realidade para nos não é um dado pronto, uma construção acabada. A realidade é um dinamismo, é um possível, é um vir-a-ser.[xi]

A vida propriamente dita, a vida biopsicológica, é definida como ação interagindo entre seres e coisas, numa pulsação de expansão e extinção, e que afinal se encaminha para a morte. Aparecimento de novas formas, num movimento que não parece ter tido nem princípio nem parece ter fim. É o atrito, a atração e repulsão, constituinte de tudo o que é existente, no sentido mesmo de que a vida não tende para nada que seja estável, nada que seja o mesmo, gerando um certo estado de insatisfação, de vazio — que tende para uma satisfação e para um preenchimento nunca conseguido, através da ação volitiva individuante, quase sempre envolvedora de tensão e sofrimento, mas também de euforia e glória.
Essa desestabilização permanente tem a ver com a desarmonia e harmonia, com o caráter perecível e recuperador, com a decomposição do que é composto, onde sé o nascimento é vida, como disse Heidegger, e o que vem depois é um prolongamento do impulso inicial das energias da aparição. Diz Heidegger:
Para os que só têm sentido para o próprio e particular, a vida é somente vida. A morte é, para eles, morte e mais nada. Na realidade, porém, o ser da vida é, ao mesmo tempo morte. Tudo, que começar a viver,já começa também a morrer, a caminhar para a morte, de sorte que a morte também é vida.[xii]

E assim, tudo deixa de ser o que antes era, e se transforma, se desagrega, e se agrega a novos elementos, numa modificação sempre, através de infinidade de transformações e manifestações diferentes, num fluxo contínuo de recriações, de vir-a-ser, de mutações. Tudo vigora, não como uma integridade em si mesmo, mas num intercâmbio, em mútua transformação sucessiva, incessante, sem limites claros e precisos durante muito tempo, num processo de assimilação e desassimilação em que até o fluxo da consciência e do pensamento atravessa o homem num rápido passar que aparece e desaparece.
Assim é a dialética da individuação no mundo, onde as coisas mudam muito rapidamente e é o que causa o sofrimento e a insegurança radical, onde o próprio sujeito é pluralidade de individuação e desindividuação transitória, um processo de conhecimento e desconhecimento de todos os diversos aspectos de tudo que se está formando e desaparecendo, tudo que está sendo superado sucessivamente.
A matéria, as sensações, as percepções e a consciência são igualmente condicionadas, impermanentes, sujeitas ao processo desestabilizador.
E isso se refere, como se disse, com os conceitos de imortalidade e eternidade que desenvolvemos em outro lugar. Depois da queda do Império Romano nada que seja produto do homem pode ser considerado permanente e imortal, e mesmo a experiência do eterno, de que fala Aristóteles, é transitória, não suportando o homem durante muito tempo a experiência do Presente, pois o homem é sempre provisório.#

2.2.1.2 - Racionalização

A racionalização operada pelo mecanismo de controle de Estado foi descrita, como se viu, como elemento reorganizador do todo, quando este se sente ameaçado por elementos que crescendo desordenadamente, podem provocar rachaduras no equilíbrio estrutural, em sua relação harmoniosa com a produtividade, institucionalizando a norma e operacionalizando os custos, mantendo o equilíbrio e operando um saber tecnocientífico, mantenedor do chamado complexo industrial-militar que se fortalece, em suma, com este controle que garante o pre domínio do poder.
Do ponto de vista individuante, a vontade de segurança impulsiona as atividades conscientes e os vários relacionamentos com o trabalho, a combinação de forças ou de energias psicológicas que mantêm o homem vivo, o desejo de ser, de continuar, de se ter cada vez mais em existência, o continuísmo e o desejo construtivo e “positivo” de solidez e de imortalidade, o crescimento interno gradual, a continuidade da mesma série, o poder da vontade e o desejo de aquisição dos bens de consumo e da propriedade privada, podendo-se dizer que o homem burguês tende sempre para a propriedade privada e para o crescimento.
A vontade de segurança individuante nasce da sensação de insegurança, provocada pelo contato individuante com a crise da realidade, e é o desejo reduz ido à sua simplicidade prática e objetiva, que a história traz como que inerente ao sangue.
Praticamente, somos educados para desejar. Assim, o contato com o mundo exterior, instável e perigoso, gera no interior da individuação a sensação de carência e insatisfação, de não compleição e temeridade, provocando a vontade de segurança e permanência. A energia dessa vontade é, em síntese a energia que mantém inteira e viva toda a complexidade da própria vida e se manifesta em aspectos variados do desejo e do apego aos seres e às as coisas que passam, às idéias gerais de felicidade e de realização, às teorias e crenças numa vida post-mortem, à busca de conforto e, principalmente, à narcose da morte, pois o homem não tem consciência de que não só é mortal, como também e principalmente de que vai morrer, sendo esta consciência, a de que vai morrer,totalmente ausente de suas certezas mais imediatas. É a narcose da morte um mecanismo de defesa.
Tudo, pois se origina nessa energia da vontade de segurança, permanência e satisfação, de autopreservação e vir-a-ser. Mesmo a vontade de morrer ou de não-existir também é vontade de segurança, pois se revela como vontade de não se expor aos perigos do mundo exterior. Tudo é uma e única alienação.
Todo sentimento de aquisição e de posse, de propriedade privada e de reconhecimento social ou público é o resultado dessa vontade. Não há fuga da fuga, só há fuga. Mesmo o lançar-se na luta pelo social é uma alienação, isto é, é uma reação ao caráter insatisfatório e mutável da crise. Igualmente, o ficar numa atitude passiva e alheia também é uma fuga, desejo de segurança individual, e também é reação, também é defesa. Toda ação é, pois, uma reação a isto.Toda inação também o é.
Poder-se-ia argumentar que pode haver uma ação de tal qualidade e de tal “pureza”, que não seja reação. Sim, e acreditamos que tal ação é aquela provocada pela “consciência política” do ponto de vista individuante, e pela “consciência comunicativa” do ponto de vista social. Mas logo acrescentamos que é rara, existente apenas em alguns momentos de glória, sendo mais uma possibilidade, como disse Ernest Bloch, do que uma atualidade.
Esta energia de vontade de segurança é a mesma que aparece no instinto de nutrição, na busca de satisfação dos sentidos e do intelecto, pois há um desejo de segurança no desejo de saber tecnocientífico, a aquisição de conhecimento.
Assim, essa vontade de segurança é a causa, o impulso inicial de tudo da própria manutenção da vida, de toda forma de progresso, e da manifestação chamada cultura. Causa propulsora da história sob a forma de luta de classe, outrora.#

2.2.1.3 - Controle e Repressão

A repressão e o controle se encontram no domínio da noção de Direito e de Justiça, diz Walter Benjamin.[xiii] Representa um esforço institucionalizado no que concerne à ordem e aos meios utilizados para que seja conseguido um determinado fim. Assim, a violência não está no fim que se quer atingido, mas nos meios utilizados para consegui-lo.
A ação volitiva, com efeito, é aquela energia que pode ser orientada para o trabalho e para a produção de bens, ou para os serviços sociais nas sociedades de capitalismo monopolista.
É por isso que a repressão e o controle podem chegar a oporem-se à ação volitiva, mas à sistematizarem-na, isto é à “racionalização”, só passando a tornarem-se problemas para as individuações quando se tornam violentas, conforme se verá a seguir.
A ação volitiva tem a ver com a aprendizagem, os sistemas educacionais e a educação, o desenvolvimento urbano, os meios de progresso e crescimento.
A repressão e o controle contêm em sua natureza o germe da “racionalização”, ou seja, a necessidade institucionalizada de regulamentação com que todos devem harmonizar os limites de cada ação volitiva, com sistema e planificação.
Desta forma, contida, a ação volitiva é trabalho construtivo, produtivo. É mesmo o princípio civilizatório do homem. E como volitiva, deseja. Controlada, promove a ciência e técnica. Quer-se crescimento com estabilidade. A repressão  e o controle quer pelo menos, a estruturação dinâmica da crise permanente, mantendo as forças revolucionárias sob seu controle e sob sua orientação.

2.2.1.4 - Condicionamento e Violência

Tanto a ação volitiva quanto a repressão e controle podem engendrar: l°) a violência e o condicionamento; 2°) a consciência política e/ou a interação comunicativa.
É mais facilmente capaz de engendrar a violência e o condicionamento, como é difícil de conseguir a maturidade da consciência política (o estágio elevado de comportamento de homens livres, patamar que uma vez conseguido é necessário uma conquista quase diária para mantê-lo) ou a consciência comunicativa (o estágio elevado do solidário e da inteligência social).
Por isso trataremos aqui em primeiro lugar de como a ação volitiva (individuante) e a repressão e controle (social) engendram a violência, e o que é isso que chamamos de violência.
Para tanto, apoiar-nos-emos no famoso ensaio de Walter Benjamin, Para uma crítica da violência.[xiv] Se ficamos quase sem desenvolver o que entendemos por consciência comunicativa e por consciência política, é porque estas nascem quando a violência é evitada. Podem surgir a partir de: O que é não pode modificar-se no que poderia ser. O que poderia ser só tem a possibilidade de surgir a partir do momento em que o que é deixa de ser da mesma forma que uma macieira não pode ser levada a produzir jacas.
Diz Benjamin que para admitirmos uma crítica da violência temos, de ver sua relação com o Direito e a justiça, porque é um fato moral[xv].
A violência não se encontra nos fins, mas nos meios. A violência é um meio, um meio imposto, mesmo que para conseguir-se um fim justificável, necessário. À primeira vista, parece que a crítica da violência se faz mais necessária em um sistema de fins justificados, mas não é assim. Pois os meios violentos sempre provocam fins violentos, pois os meios são os fins.
Já Spinoza (citado por Benjamin) dizia que a violência individuante fora substituída em favor do Estado. É uma teoria do Estado fundada no Direito Natural. Transfere-se ao Estado a responsabilidade de exercer a violência.
Esta tese de Direito Natural que define a violência como um dom natural se opõe à tese do Direito Positivo, que a entende como produto cada direito de devir histórico.O Direito Natural julga cada direito existente pela crítica de seus fins, enquanto o Direito Positivo julga cada direito existente pela crítica de seus meios. Neste caso, o Direito Positivo é o critério dos fins perseguidos. A Justiça julga os fins de harmonização social, e o Direito trata dos meios de conseguir isto. Diz Benjamin:
O direito natural se esforça para “justificar”os meios para a justiça dos fins; o direito positivo se esforça para “garantir” a justiça dos fins para legitimar os meios.[xvi]

No que se refere ao direito da individuação, a tendência característica é impedi-la de atingir seus fins naturais, toda vez que esses fins possam ser atingidos de melhor maneira pela violência individuante, ou seja, se usando a violência os fins podem ser mais rapidamente atingidos. Como por exemplo para conseguir dinheiro por trabalho desvalorizado, ou por um assalto. A ordem jurídica assim constitui os fins de direito, onde a violência legítima na perseguição de fins naturais colide consigo mesma, a ordem jurídica.
O Direito, desta forma, monopoliza a violência e interdita a individuação, não só para proteger os fins legais, como também para proteger o próprio Direito. A violência, quando se acha nas mãos do Direito, qualquer que ele seja, não constitui uma ameaça para si mesmo, para o Direito, pelos fins a que possa visar. A violência só se constitui uma ameaça ao Direito  se existe fora do Direito.
Desta forma, o Estado é o único elemento social que possui o legítimo direito de se utilizar da violência. O Estado cria esta violência simplesmente como fundadora do direito de assegurar-se como existente, como força organizadora, e mesmo se reconhece nele a origem fundadora do Direito quando forças estranhas o podem forçar a conceder o direito de guerra ou direito de greve.
O uso forçado e universal da violência como meio a serviço de determinado fim do Estado traduz-se de imediato no militarismo: A submissão do homem ao serviço militar, diz Benjamin[xvii], é um fim legal, legitimado pelo Estado.
A primeira função da violência é fundadora do Direito; a segunda função da violência é conservadora do Direito. O serviço militar, diz Benjamin, é um caso de aplicação da violência para fins de conservação do Direito.
A violência conservadora do Direito é uma violência que ameaça, com o fim de impedir a transgressão. Este é o aspecto ameaçador que oferece a figura do Estado moderno, através dos classes, (diria talvez um socialista).
Nosso conceito de consciência política (individuante) não significa somente a inter-relação entre pessoas, mas o relacionamento harmonioso da individuação com a totalidade, mais de colaboração do que de adequação.
A melhor técnica do acordo seria, pois, o diálogo propriamente dito, ainda que houvesse riscos: O discurso de um, mais significativo e inteligente, poderia envolver o discurso do outro, mais desarmado ou menos perspicaz.
Seja como for, só com meios legítimos se pode chegar aos fins justificáveis, pois o que justifica o fim é o meio.
Nosso conceito de consciência política nasceu da “proposta para discussão” do professor Eduardo Portella, de “consciência comunicativa”. Procura ele pelas instâncias de legitimação da linguagem, um projeto hermenêutico que produz um resultado político. Pois
A procura incessante da verdade humana, ao perceber o impasse a que fora conduzida pelas formas tradicionais de argumentação — reforçadas progressivamente binarismo matemático — iniciou todo um trabalho teórico-prático, que passa pela intersubjetividade: a contracena de indivíduos concretos lingüisticamente mobilizados.
A teoria, ate agora constituída como um conjunto emanações do poder transcendental intercaladas pelas projeções da consciência infeliz, começa a duvidar efetivamente, a por entre parênteses o variado elenco de figuras, que organizara um tanto com a certeza outro tanto com a culpa[xviii].

Insiste o Mestre que a razão hermenêutica (que seria o apogeu de uma consciência política) “quer ser precisamente uma conquista da liberdade”[xix]  a conquista através da denúncia e meios de fiscalização e repressão, a serviço da “racionalização” do sistema do Estado.

2.2.1.5 - Consciência Política

Resta saber se existem outros meios, não violentos, para resolver os conflitos dos interesses dos homens e das classes.
O Direito dá a cada individuação, constituinte da sociedade, a capacidade de recorrer à violência judicial contra individuação, quando por exemplo esta não respeita um contrato.
O ideal de resolver os conflitos sem o uso da violência, seja educando o homem, seja humanizando o Estado (qualquer forma de), está colocado na medida em que a força possa ser substituída pela persuasão, como poderíamos imaginar o parlamentarismo democrático, submetido ao voto e à relatividade dos encarregados do poder.
Seria possível eliminar os conflitos sem recorrer à força? Pergunta Benjamin[xx].  Ele mesmo responde que incontestavelmente, as relações estão cheias de exemplo disto. “Chega- se a uma compreensão sem violência cada vez que a cultura do coração humano pode fornecer meios de puro acordo”[xxi]. 
Os pressupostos da consciência comunicativa do ponto de vista social, e da consciência política do ponto de vista individuante são a cortesia, a simpatia, o amor à paz, à confiança e outras atitudes como tais(depois de resolvido o problema da dissolução dos focos da violência. “Trata-se de uma proposta cognitiva imune ou avessa à neutralidade”[xxii]
A consciência política se fundamenta nesta razão hermenêutica que “trabalha fundamentalmente sobre a linguagem, lugar das relações imediatamente interpessoais, ou dos múltiplos intercâmbios simbólicos”[xxiii]. Esta a razão de um “mensageiro incrédulo de um sujeito quebrado, cercado de violência por todos os lados”[xxiv]

2.2.2 - Razão e Irracionalidade

As idéias de Weber (que parecem ter influenciado os textos de Habermas) são considerados por Lukács próprias do “revisionismo” ou seja, próprias da liquidação da idéia de luta de classes, para excluir do movimento operário qualquer aspecto revolucionário, considerando-se que o capitalismo deveria “resolver-se” pacificamente em socialismo, o que significa organizações sindicais devem colaborar com a burguesia liberal, defendendo-se uma coalização de ambas[xxv]
Weber afirma a superioridade do econômico sobre o histórico. Com isso não aceita o materialismo histórico. Por isso, Lukács o acusa de idealista e espiritualista,ainda que Weber critique o irracionalismo. Mas Weber é, pois, o que se pode chamar um sociólogo burguês.
Assim, a tarefa da sociologia de Weber seria, segundo Lukács, a de mostrar a necessidade de que surja, dentro racionalismo capitalista, um irracionalismo, ou a de mostrar que esse irracionalismo se encontra na base mesma desse conjunto.
Weber parte da dependência recíproca entre o econômico e o religioso e mesmo diz Lukács, apregoa a necessidade de uma “espiritualização” do capitalismo.[xxvi]
A essência do capitalismo e a racionalização da vida econômico-social, a tendência à previsão e ao controle, conforme foi descrito por Habermas. Segundo Lukács ,há aí uma identificação simplista entre economia e técnica, compreendendo o capitalismo “de cabeça para baixo”, na medida em que os fenômenos superficiais assumem o papel principal, em detrimento dos problemas das forças produtivas da sociedade.
Weber observa a semelhança entre a sociedade capitalista e uma grande empresa, colocando o modelo capitalista como inevitável.
Segundo Lukács, Weber não pode compreender o marxismo, por causa disto.
Lukács acusa as bases da sociologia de Weber de “formalista”, criadoras de uma casuística formal imanente, transferindo para outras ciências os problemas essenciais concernentes ao conteúdo e à gênese.
A sociologia deve, diz Lukács, explicar concretamente, os conteúdos e os processos genéticos da sociedade. O formalismo de Weber faz com que ele, por exemplo, compare de maneira simplista a burocracia do antigo Egito com o socialismo. Assim sua sociologia só consegue construir tipologias, o que é o problema central de sua sociologia. Weber mesmo considera como tarefa fundamental da sociologia o estabelecimento de “tipos ideais”, a partir dos quais se pode fazer a analise sociológica. E o devir da historia, dentro do quadro weberiano, adquire assim um caráter irracionalista.
Também Weber é acusado por Lukács de subjetividade, pois designa como “probabilidades” as mais diversas objetivações sociais, como o Poder, o Direito e o Estado. Lukács vê as influências românticas e místicas que Weber sofreu (expressas as vezes diretamente, como em Rathenau, que fala da revolta irracionalista da “alma” centra o aparelho racionalista e mecânico do capitalismo)

Entretanto, diz Lukács, a luta de Weber contra o racionalismo procura pôr em evidência a posição particular de um estágio superior do próprio racionalismo. E é certo que Weber se defendeu da acusação de relativismo: excluiu da sociologia os juízos de valor. Mas defende uma crítica técnica sem ver que assim conduz o devir histórico a uma irracionalidade, do ponto de vista do materialismo histórico.
Weber se choca com o Manifesto comunista, segundo o qual a história é uma história de luta de classes. E ele não pode, diz Lukács, reconhecer essa “realidade efetiva”, porque não está disposto ou em condições de extrair dessa estrutura dialética social as conseqüências lógicas dialéticas, e assim acaba chegando ao irracionalismo.
O irracionalismo, diz Lukács, é o caminho de Weber para escapar à solução dialética de uma questão dialética. Apesar disto, Weber aparece como enérgico adversário da racionalismo capitalista. Reconhece Weber que uma coisa só pode ser irracional em relação à outra, e desdenha o irracionalismo da experiência vivida, defendido por seus contemporâneos.
Assim, Max Weber exclui o irracionalismo da sua metodologia e da análise dos fatos singulares, mas termina por assumí-lo como base de sua visão de mundo. Isso provocou o domínio do irracionalismo: como Spengler, Weber constrói, diz Lukács, de maneira diletante e mística, a passagem de extremo relativismo a mística irracionalista.
As modernas sociedades deixaram para o âmbito do consentido e da ação retardada do domínio do sonho o campo onírico da literatura e outras artes, assim como as esperanças de libertação e glorificação pessoal de que participavam as preocupações religiosas. A literatura não mais atua como orientação da sociedade e parece impotente como orientação da sociedade. Seria esta uma tese da irracionalidade?
Analisamos os problemas da violência através das categorias de crise, racionalização, controle e repressão, interação comunicativa, vontade de segurança, ação volitiva, condicionamento e consciência política.
Os problemas giram em torno dos conceitos de indivíduo e Estado ou totalidade (i. é., sociedade).
Observemos que o conceito de totalização do Estado não exclui as contradições que lhes sejam inerentes e que estas contradições ocupam os espaços significativos da arte como reflexão sobre a natureza do mundo. Na dinâmica do sujeito/objeto, isto é, da teoria com a praxis, espelha-se uma articulação que pode englobar os jogos das contradições da realidade, e que esta mesma realidade (ou sociedade) é em si mesmo contraditória, lugar onde vigoram os choques de interesses de idéias e classes sociais.
Os problemas das contradições são os problemas que se refletem na dialética do texto literário, que passa a ser texto do mundo social. E as proposições “verdadeiras” de uma ciência literária inclui no seu corpo as ambigüidades que revelam a natureza contraditória da sociedade, o devir da historicidade. Isto impossibilita um caráter acabado e completo do pensamento, já que não pode haver adequação do sujeito com o objeto, mas relação de afirmação/negação, o objeto sempre negando o sujeito que o afirma.
Entretanto, não excluímos a possibilidade de aceitação do fato de que o sujeito crie o objeto, mas também temos de admitir que no campo social o sujeito encontra um objeto “aí”, com que tem de lidar na sua relação de comportamento cognitivo. Passam assim a existir logo as possibilidades dialéticas das contradições no campo da crítica cultural, pois se o sujeito tem pronto o objeto de seu estudo, também passa a criá-lo no jogo do pensamento. A relação de conhecimento, assim, passa a ser uma espécie de jogo de criar e receber, entre o que se colocam as ambigüidades, as perplexidades da hermenêutica, esta não dando conta nunca da realidade, que não se encontra jamais acabada a estática.
Os relacionamentos do homem com o real constituem um problema de criação e recriação, uma tentativa de tomar um rumo que db algum grau de certeza e assegure um nível de verdade.
Em suma, trata-se portanto da antiga aspiração do pensamento de compreender o mundo, e compreender-se a si mesmo no mundo, na marcha da história.
Com antecedência, pois, pensamos desde logo que é problemática uma visão totalizadora da realidade.

A totalidade do social não possui vida autônoma acima dos elementos que a compõem e daqueles que, na realidade, são constitutivos. (...) Sistema e especialidade se dão reciprocamente e somente desta forma são passíveis de conhecimento.[xxvii]

O todo, diz Habermas na Teoria Analítica da Ciência e da Dialética[xxviii], não é igual à soma das partes, não sendo passível de uma interpretação orgânica. E a totalidade não é a extensão lógica, produto da agregação de seus componentes.
A ilusão da totalidade portanto, é ideológica: “as expressões que englobam a totalidade do social somente têm validade na época atual enquanto ideológicas”.[xxix]
Estas considerações estão presentes na base do problema do pensar os modos de apreensão e/ou de manifestação da realidade, que desenvolveremos a partir das categorias relacionadas acima. E isto porque acreditamos que a literatura esteja tanto no âmbito das ciências ditas humanas, quanto no das ciências sociais.
Não temos certeza de uma verdadeira adequação entre conhecimento e realidade, ao nível de um isomorfismo onde ha uma correlação adequada entre as categorias e as estruturas da realidade. As teorias se organizam quase como verdades autônomas, verdades semânticas, de acordo com seus postulados iniciais, em coerência com eles, e se revelam aplicáveis a especificidades, não pretendendo ou não podendo dar conta da multiplicidade e diversidade do todo. As ciências sociais, entre as quais incluímos a ciência da literatura, precisam mergulhar no seu objeto, garantir a adequação de suas categorias ao objeto, não se limitando a uma relação de casualidade com o objeto, ultrapassando o interesse cognitivo existente na manipulação e instrumentalização do domínio da tecnologia científica. No âmbito das ciências sociais e humanas, o objeto vinga-se (para usar a palavra de Habermas) do sujeito, não se deixa instrumentalizar e submeter à dominação do sujeito, mas entra numa correspondência com ele através de uma interpretação do mundo da existência social, ou seja, “a inter-relação hipotético-dedutiva dos enunciados cede lugar a explicação hermenêutica do sentido”[xxx] do objeto, e no conhecimento do objeto o sujeito passa a conhecer-se.
Neste método dialético o sujeito mergulha no objeto,deixa de ser sujeito transcendental para ser sujeito de conhecimento, isto é, passivo e reativo. Quando o pensar é produtivo e criador, assume a postura não totalizante e não ativa de uma passividade que também é ação e adequação do eu ao não-eu[xxxi] Ou seja: Para ser produtivo, o pensar deve estar sempre determinado pelo objeto, o sujeito deve ser capaz do objeto. Disto resulta sua objetividade, ou verdade: na relação com a coisa mesma.

O pensar enquanto ato subjetivo deve abandonar-se a coisa mesma, tanto mais se, como ensinaram Kant e os idealistas, ele constitui ou inclusive produz a coisa (objeto)[xxxii]

Entretanto, o objeto do pensamento não e aquilo que se consegue como produto final, como conclusão. O pensar e o próprio processo, já que a filosofia é mais formulação e questionamento do que a conseqüente demonstração do objeto, da coisa, do resultado obtido.
Estas postulações já se encontravam incipientes na Fenomenologia do Espírito de Hegel, que concebe “a diversidade dos sistemas filosóficos como desenvolvimento progressivo da verdade; (...) a contradição nesta diversidade”[xxxiii] . Diz Hegel, na Fenomenologia, que a diversidade é antes o limite da coisa, mas o que Hegel buscava era, como se sabe, a totalidade (embora dialética)
Assim, essa dialética interpretativa “não se vê obrigada a renunciar a formulações que sejam impossíveis de controlar”[xxxiv], controle esse como o exercido pelas ciências naturais. E é neste sentido que a teoria da literatura se transforma em teoria literária — expressão de uma dialética, de uma fusão do sujeito teórico com o objeto literário.
O conceito de totalidade, entretanto, tem validade nas categorias sociais de um ponto de vista dialético em que e tomado como função da verdade. Pois a dialética é um modo de pensar as contradições da realidade, compreendendo-a como contraditória e em permanente transformação.
Do ponto de vista dialético, e tanto mais de Hegel do que Marx, é fundamental perceber que a literatura será intima-mente inscrita na legitimação do trabalho humano. Desde Kant, o pensar ocidental percebeu que a consciência humana não se limita a registrar passivamente as impressões do mundo. A consciência interfere no mundo numa ação de reciprocidade. As contradições na razão humana (a “razão pura”) são chamadas “antinomias”, ou seja, a própria razão é contraditória. Esse processo dialético, de reciprocidade sujeito-objeto vai até a fenomenologia de Husserl. Para Hegel, o sujeito é ativo, pois Hegel estava entusiasmado pelo ideário e pela ação da revolução de 1789. O sujeito interfere na realidade, no objeto. Essa interferência vai ser chamada de trabalho por Marx. Hegel percebe que a ação do trabalho é a força motriz que impulsiona a História (embora para ele o trabalho seja o trabalho intelectual). É no trabalho que o homem se produz a si mesmo. O trabalho e o núcleo de onde pode ser compreendida a atividade criadora do sujeito, pois no trabalho está a resistência do objeto e o poder do sujeito. O trabalho permitiu ao homem conhecer-se a si mesmo além de dominar a natureza. A compreensão do trabalho é necessária para que nós compreendamos a hermenêutica dialética, a superação dialética da hermenêutica.
Superar dialeticamente significa três conceitos ao mesmo tempo: a) Interromper (suspender as aulas); b) Proteger alguma coisa (suspender as festividades por causa da chuva); c) elevar a qualidade, superar quanto ao nível[xxxv]. Portanto a superação dialética é ao mesmo tempo a negação de uma realidade, a conservação da essência da realidade negada e a elevação desta realidade a um nível superior. O exemplo clássico do trigo e do pão pode servir como ilustração: O trigo é negado como trigo (nego a existência do grão, transformando-o em pé), mas o trigo não se destrói totalmente. Há alguma “qualidade”, ou melhor, uma essência que se conserva (e aqui está a identidade metafísica na diferença dialética) . A farinha de trigo e a massa do pão não são essencialmente diferentes do grão original. Há a conservação da essência da realidade negada. Depois, a elevação desta realidade a um nível superior (a massa se transforma em pão).
Em que, pois, se apóia o texto literário para dar conta da realidade como uma totalidade? Desde o início do século têm sido valorizadas as visões fragmentadas, as “fatias” e os “flashs” da realidade do mundo moderno. O mundo, depois das duas Guerras, se fragmentou. A ciência e o humanismo se fragmentaram em tecnologia. Mesmo a visão da casa do homem moderno, apartamentado nos edifícios, mostra a patente plurificação dos fragmentos de uma sociedade fragmentada. As intuições artísticas não puderam ficar imunes a esta incompatibilidade entre a visão total do mundo e seus fragmentos. A arte fragmentada ocupou e assumiu o espaço da reflexão sobre o mundo. A pretensão a universalidade do método científico não tem chegado ao seu elevado termo, e tem-se encontrado com aqueles tipos de experiência situados no exterior da ciência moderna, ou seja, com a experiência da filosofia e da arte[xxxvi] A própria história tem sido discutida como uma sucessão de fragmentos:

Nada de mais incerto, nada de mais empírico (pelo menos na aparência) do que a instauração de uma ordem entre as coisas[xxxvii]

A emergência da realidade é marcada por um fluxo de forças dialéticas que não são controláveis por planos racionais, mas por forças sociais, por conflitos de interesses, por lutas de classes a par de outros fatores menos racionais (ou francamente irracionais)[xxxviii]
É por isso que, no método dialético, a rigidez dos conceitos (e dos objetos que lhes correspondem) se dissolve, e a dialética é
um processo de constante passagem fluida de uma determinação para outra, uma permanente superação dos contrários, e a sua passagem de uma definição a outra; que, conseqüentemente, se deve substituir a causalidade unilateral e rígida pela ação recíproca[xxxix].

Nossa época se caracteriza pela imersão à velocidade da mudança, onde a visão das coisas arrisca a ficar obscurecida, as totalizações quase impossíveis. O verdadeiro domínio das coisas, o movimento dá ciência, é o da revisão dos conceitos fundamentais[xl]. E os conceitos fundamentais são “aquelas determinações com as quais se alcança o domínio das coisas que serve de base a todos os objetos temáticos de uma ciência”[xli]. Assim, num mundo dialeticamente em permanente transformação, todas as determinações parecem ser sempre prévias, e se colocam sempre em relação a uma dada historicidade. E assim devem ser vistas algumas propostas desta tese.
A ciência é um “conjunto de proposições verdadeiras conectadas por relações de fundamentação”[xlii]. Essa fundamentação leva sempre em conta o tempo como horizonte de compreensão. Como se tem dito, a filosofia termina com Hegel. Marx parece que acabou de matá-la, com sua ciência econômica. A tradição que nasce daí é o Novo. Continuamos a usar os conceitos da filosofia clássica, mas não no sentido de uma continuidade, senão no sentido de uma linguagem colocada no rumo da tradição. Os estudos de uma ciência nova (a partir de Marx, de Freud e de Heidegger) pensam uma visão das coisas que arrisca ser obscurecida pela rápida mudança do mundo atual, ainda que tenhamos de buscar na tradição clássica a fundamentação de uma maturidade do pensamento. Este é um problema hermenêutico por excelência, como esforço de compreensão da verdade das ciências e da nossa relação com a experiência do mundo no seu conjunto[xliii].
O risco maior desta teoria hermenêutica é sair simplesmente da dialética para o jogo puro, o jogo de luzes e sombras da arte, o jogo de realidades e aparências que caracteriza a arte, onde o emprego da metáfora tem uma prioridade metodológica. Natural que, entretanto, o jogo seja uma representação eficaz do homem, do homem enquanto natureza. O novo e o vai-e-vem característico das ondas onde se é uma representação do homem. Mas a realidade, isto é, a sociedade é um jogo, jogo de pôr-se, de produzir-se e reproduzir-se[xliv]. E o ser e o ser social, que se descobre no devir contraditório do percurso da História. Procuramos compreender hermenêuticamente e, se a dialética é um instrumento de compreensão da sociedade, a hermenêutica é um método aberto de compreensão de texto literário.
E dialética é um modo de pensar estas contradições da realidade, compreendendo-a como contraditória e em permanente transformação[xlv].
Para a compreensão da dialética, é fundamental a noção de trabalho (que transforma a sociedade, uma contradição, por ser fonte de riqueza) . Kant percebeu que a consciência humana não se limita a registrar passivamente as impressões do mundo. A consciência humana interfere na realidade. Há certas contradições na razão humana (que ele chamava de “razão pura”). Essas contradições são as antinomias, ou seja, a própria razão é contraditória. Isso aparece em Hegel. Para ele o sujeito é ativo, interfere na realidade no objeto. Essa interferência é trabalho. Hegel percebeu que o trabalho é a mola que impulsiona o desenvolvimento humano (embora o trabalho para ele tenha outro sentido). E no trabalho que o homem se produz a si mesmo. O trabalho e o núcleo onde pode ser compreendida a atividade criadora do sujeito. No trabalho está a resistência do objeto e o poder do sujeito. O trabalho permitiu ao homem dominar a natureza. O trabalho é necessário para que nós compreendamos a superação dialética.
O trabalho é a atividade pela qual o homem domina a natureza e se cria a si mesmo. A divisão social do trabalho antigo criou antigas classes sociais. Através dessa divisão, o trabalho passou de criador para alienador do homem.
O pensamento dialético trabalha por uma série de mediações lembram a existência das contradições. Nas contradições reside a verdade, por exemplo: O claro e o escuro, o mais e o menos, a dívida e o empréstimo, o rico e o pobre. A realidade é formada de unidades contraditórias.
Diz Lukács que Engels sublinha que no método dialético a rigidez dos conceitos se dissolveu, e que a dialética e um processo de superação de uma determinação para outra, uma permanente superação dos contrários, a passagem de uma definição para outra e que, por isso, se deve substituir a causalidade unilateral e rígida pela ação recíproca, isto é, a transformação da realidade constitui o problema central[xlvi]. Ainda se trata da realidade com objetividade.
A dialética vê as tendências da evolução capitalista, ou seja, o caráter fetichista das formas econômicas, a reificação das relações humanas, a extensão da divisão do trabalho que atomiza o processo de produção sem se preocupar com as possibilidades e capacidades humanas. Essa é a “totalidade concreta” da realidade, que é categoria fundamental do marxismo, realidade compreendida como contradição necessária, fundamento da ordem de produção. Essa é a perspectiva da história como processo unitário. É um pôr-se, um produzir-se e reproduzir-se, onde o núcleo do ser se revelou como devir social, e implica que o homem tome consciência de si próprio como ser social, como simultaneamente sujeito e objeto do devir histórico e social.
Diz Lukács que só no capitalismo, na sociedade burguesa, foi possível reconhecer-se na sociedade a realidade[xlvii]. E, do ponto de vista do proletariado, o conhecimento de si mesmo e o conhecimento da totalidade coincidem — o proletariado e ao mesmo tempo sujeito e objeto do seu próprio conhecimento. E a metodologia do materialismo histórico não pode pois separar-se da atividade crítica-prática do proletariado: ambos são momentos do mesmo processo de evolução da sociedade. Assim, o conhecimento da realidade que opera o método dialético já não pode ser separado do ponto de vista da classe do operariado. Ou seja, no método marxista, a dialética materialista como conhecimento da realidade só é possível do ponto de vista de classe, do ponto de vista da luta do proletariado[xlviii].
Mas esse conhecimento não e dado imediata e naturalmente ao proletariado como classe (e ainda menos ao proletário individual). O proletariado não é um sujeito cognoscente no sentido Kantiano, em que o sujeito é definido como o que nunca pode tornar-se objeto[xlix]. Não é um expectador imparcial do processo histórico. Não se limita a participar como agente e vítima desta totalidade. A ascensão e a evolução do seu conhecimento e de sua participação no curso da história são apenas dois aspectos do mesmo processo real. Porque a classe só há pouco se formou como classe na luta social, começando por atos espontâneos e inconscientes de defesa. A consciência que o proletariado toma de si mesmo, de sua posição como classe, e de sua vocação histórica — tudo isso é também produto desse mesmo processo de evolução que o materialismo histórico conhece[l].
O método marxista é, pois, fruto da luta de classes. Não é um “dever”, uma “idéia”, mas um processo real. E uma relação com a realidade, uma relação com a totalidade, pela qual cada momento adquire um sentido, e um sentido revolucionário, inerente a cada momento, no seu aspecto quotidiano, na realidade prosaica da luta quotidiana.
A realidade, assim,sé poderia ser conquistada pelo método dialético, e tem de ser incessantemente reconquistada. E conquistar a realidade é lutar contra o “natural” da existência, do puro empirismo, O modo como o método dialético abordaria a realidade manifesta-se no momento em que aborda o problema da ação como a única capaz de indicar uma orientação para a própria ação. O conhecimento de si é ação. O conhecimento de si, subjetivo e objetivo, que o proletariado tem numa etapa de sua evolução, é simultaneamente conhecimento do nível de sua ação, o conhecimento do nível atingido nessa época para evolução social[li].
A função do marxismo ortodoxo, diz Lukács — além de superar o revisionismo e o utopismo — não é a de liquidar as falsas tendências, mas sim uma luta constante contra a influência “perversora” das formas do pensamento burguês sobre o pensamento proletário, independente da nacionalidade, como um movimento total[lii].








[i] HABERMAS, J. (1975), p.51.
[ii] PORTELLA, E. (1976), p.94.
[iii] HABERMAS, J. (1975), p.45.
[iv] Ibidem p.45.
[v] ARENDT, H. (1981), p.9.
[vi] Ibidem p.11.
[vii] DREITZEL (1975), p.103.
[viii] HABERMAS, J. (1975), p.8.
[ix] HABERMAS, J. (1975), p.30
[x] GARD, R.A. (1981). P.125.
[xi] PORTELLA, E. (1976), p.60.
[xii] HEIDEGGER. (1969). p.156.
[xiii] BENJAMIN, W. (1971). P.121.
[xiv] Ibidem p.121-148.
[xv] Ibidem p.127.
[xvi] Ibidem p.123.
[xvii] Ibidem p.129.
[xviii] PORTELLA, E. (1982), p.3.
[xix] Ibidem p.6.
[xx] BENJAMIN W. (1971). p.134.
[xxi] Ibidem p.134.
[xxii] PORTELLA, E. (1982), p.6.
[xxiii] Ibidem p.7.
[xxiv] Ibidem p.8.
[xxv] LUKÁCS G. (1981), p.145.
[xxvi] Ibidem p.145.
[xxvii] HABERMAS, J. (1980b), p.277.
[xxviii] HABERMAS, J. (1980b), p.277-299.
[xxix] Ibidem p.277.
[xxx] Ibidem p.279.
[xxxi] ADORNO, T. (s/d), p11.
[xxxii] Ibidem p.11.
[xxxiii] HEGEL, G.W.F. (1980), p.6.
[xxxiv] HABERMAS, J. (1980b), p.280.
[xxxv] KONDER, L. (1981), p.26.
[xxxvi] GADAMER H-G.(1976), p.21.
[xxxvii] FOUCAULT, M. (s/d), p.8.
[xxxviii] POPPER, K. (1980), p.38.
[xxxix] LUKÁCS G. (1974), p.17.
[xl] HEIDEGGER. (1980). p.19.
[xli] Ibidem p.20.
[xlii] Ibidem p.21.
[xliii] GADAMER H-G.(1976), p.22.
[xliv] LUKÁCS G. (1974), p.31.
[xlv] KONDER, L. (1981), p.8.
[xlvi] LUKÁCS G. (1974), p.15.
[xlvii] Ibidem p.35.
[xlviii] Ibidem p.37.
[xlix] Ibidem p.38.
[l] Ibidem p.39.
[li] Ibidem p.39.
[lii] Ibidem p.39.

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