2.3.2.1 - O Sujeito e o objeto
O rio dissolve. O rei reifica,
racionaliza. O que se opõe é Riobaldo e Reinaldo. Diadorim é a
superação de Reinaldo (o menino) e Diadorim (a morta)
“Conforme
penseí em Diadorim.
Só pensava era nele”[i].
Diadorim aparece na página 19 (edição
citada na Bibliografia) e logo desaparece. Aparece como um ser sobre o qual o
narrador pensava num momento de felicidade.
“Amor
vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também — mas
Diadorim é a minha neblina...”[ii].
Diadorim “reaparece” na página 22 mas é
urna lembrança bordada de nevoa e de dor: O narrador falava de sua mulher das
rezas dela, graças. Diadorim entra quase no compasso de
“D — D”: Digo — Diadorim. A frase bate o timbre de uns “ii”.
Em “Diadorim é minha neblina” Diadorim, ai
obscureceu o narrador, é o mistério e a neblina da narrativa.
“Quem me ensinou a apreciar essas
belezas sem dono foi Diadorim...”[iii].
Diadorim, professor de beleza, ensina
Riobaldo a viver, a ver o mundo, um mundo tocando os limites do sonho (“quando
o senhor sonhar, sonhe com aquilo”)[iv],
sem dono, numa visão burguesa.
“Eu
estava todo o
tempo quase com Diadorim. Diadorim e eu, nós dois. (...) De nós dois juntos,
ninguém nada não falava”[v].
O que aparece aqui é a companhia que se
tornava objeto de possíveis comentários (Diadorim se vestia de homem, vestido
assim aparece como se fosse homem, gênero com que é designado aqui para que não
haja uma vio1entação do texto).
... eu sentava. Não gosto de ficar em pé. Então,
depois, ele vinha sentava, sua vez. Sempre mediante mais Longe. Eu não tinha
coragem de mudar para mais perto[vi].
Entre os dois havia uma desconfiança e um
“mediante” Havia o imã do amor que aproximava, mas também o impedimento que não
os fazia seres do vário sexo.
“Diadorim não estava por perto, para me
reprovar”[vii]
Riobaldo encontra Nhorinhá: Diadorim não
está perto, para o ciúme e o controle. Diadorim participa da atitude
controladora. A amada é um substituto da mãe.
“... ele gostava de silêncios”[viii]
É
o quieto, o calado o silêncio e o mistério.
“... contra o querer gostar de Diadorim
mais do que, a claro, de um amigo se pertence gostar”[ix].
Riobaldo se sente enfeitiçado sente
que este amor não é pertinente (não “pertence”) não pode ser “às claras”
explicado e racionalizado.
“Mas Diadorim estava a suaves (...) Que
vontade era de por meus dedos, de leve, o leve, nos meigos olhos dele”[x].
Estava em guerra, em plena guerra do
texto, que Medeiros Vaz comandava — e de súbito, antítese infeliz Diadorim
estava “a suaves” provocando a afetividade do narrador que relembra.
Buriti, minha palmeira
lá a na vereda de lá:
casinha da banda esquerda,
olhos de onda do mar...
lá a na vereda de lá:
casinha da banda esquerda,
olhos de onda do mar...
Mas
os olhos verdes sendo os de Diadorim[xi].
Diadorim, olhos verdes se mistura com
Otacília, que queria casar-se com ele. Diadorim decide um sentido: O sentido de
ver Os olhos que vêem e os olhos vistos pelos olhos de Diadorim, e o mundo de
seus olhos catalisadores de toda a beleza do mundo.
“Pois
lá um geralista me pediu para ser padrinho de seu filho. O menino recebeu o
nome de Diadorim, também”[xii].
Riobaldo consegue mascarar seu
“casamento” impossível com um filho (simbolicamente de Diadorim). Como amar uma
mulher vestida de homem, armada cavalheira(o) e guerreira(o)?
“Oi, Diadorim belo feroz! (...)
— Reinaldo! O Reinaldo!”[xiii].
Quando Diadorim se mostra heroicamente
violento e guerreiro, ele se transforma em Reinaldo, para ser chefe. Mas o
narrador “nesse repente”, imediatamente nega! “Não! Diadorim, não”[xiv].
O narrador não aceita que sua amada chegue a ser chefe (o que desestruturaria
sua condição feminina, pois a fúria de Diadorim é sempre feminina) E Reinaldo e
Rei.
Aí pois de repente, vi um menino, encostado numa
árvore, pitando cigarro Menino mocinho, pouco menos do que eu, ou devia de
regular minha idade /.../ E se ria para mim[xv].
Diadorim muda de nome: Agora é o “menino”.
Esta é a primeira vez que o narrador o vê. A precocidade está no “e se ria para
mim”, o contato destinado, o poder da ancestralidade do discurso da arqueologia
do destino.
“O
menino tinha me. dado a mão para descer o barranco Era uma mão bonita, macia e
quente, agora eu estava vergonhoso, perturbado”[xvi].
O contato. “Todo o contato, para o
apaixonado, levanta a questão da resposta: pediu-se a pele que responda”[xvii].
É a região paradisíaca aos signos sutis e clandestinos como uma festa, não dos
sentidos, mas do sentido. “O sentido (destino) eletriza-me a mão”[xviii].
Olhei: aqueles esmerados
esmartes olhos, botados verdes, de folhudas pestanas, luz-iam um
efeito de calma, que até me repassasse. Eu não sabia nadar[xix].
O verde dos olhos emite sinais
“luziam um efeito de calma” dos dois personagens estão numa canoa, o narrador
diz que “não sabia nadar” teme afogar-se na cor daqueles olhos. É a entrega ao
mistério, a sem-razão do amor Todo amado tende a morte no amor de sua amante.
Comparável
um suave de ser, mas asseado e forte — assim se fosse um cheiro bom sem
cheiro nenhum sensível — o senhor represente[xx].
A sensibilidade do cheiro (depois do
contato) a consciência da assepsia do amor, da materialidade suave, da
carnadura desejada da amada. A aura do amor.
“Aquele amor não seria mesmo para mim,
pelos motivos pessoais”[xxi].
Riobaldo se refere a Rosa’uarda, pois
soube que ela se casaria com “um Salino Cúri” e sente que a perdera porque
estava ligado a Diadorim para sempre (sua liberdade decorre da morte de
Diadorim, no fim da narrativa) E a impertinência do poético.
Só flagrante conheci. O moço, tão variado e
vistoso, era, pois sabe o senhor quem, mas quem, mesmo? Era o Menino! /.../...
o que atravessou o rio comigo, numa bamba canoa, toda a vida./.../ Os olhos
verdes...[xxii]
O destino prende Diadorim (devolve-o, que
retorna) a Riobaldo, numa canoa, toda a vida. A canoa com que atravessaram o
rio, do porto-de-janeiro, é o instrumento da travessia, no rio se
encontram as veredas, atam-se as vidas decidem-se os
mistérios do processo narrativo. A “companhia” do mistério.
Eu queria ir para ele, para
abraço, mas minhas coragens não deram. Porque ele faltou com o passo, num
rejeito, de acanhamento. Mas me reconheceu, visual. Os olhos nossos donos de
nos dois. Sei que deve de ter sido um estabelecimento forte, porque as outras
pessoas o novo notaram — isso no estado de tudo percebi. O Menino me deu
a mão: e o que a mão diz é o curto./.../ E ele como sorriu. Digo ao senhor: até
hoje para mim está sorrindo. Digo[xxiii].
Ao vê-lo o narrador volta a
apaixonar-se. Mas tem medo. Amor e medo. Mesmo porque Diadorim “falta com o
passo” recua, numa certa rejeição num certo acanhamento. Estabelece-se um acordo
“visual” só os olhos só olhos. Este acordo é forte (já havia ocorrido, anos
atrás, páginas atrás, na página 80)
O Menino lhe a mão como na primeira vez,
como simbolizando isto: Venha colocar-se na via do meu destino, na quebra do
estranho. O sorriso é o pacto (“até hoje para mim está sorrindo”). Atração pela
Terceira Margem. “O que a mão a mão diz é o curto”
“Riobaldo...Reinaldo...” — de repente ele deixou isto em dizer: — “... Dão par, os nomes de nos dois...”[xxiv].
Diadorim estabelece a ligação, a homologia,
entre os nomes (nomear é dizer o que uma coisa é). A tarefa de Diadorim
de deixar o narrador sempre em seu rastro, de destiná-lo. Casamento com o
irreal. Homologia conjugal é o casamento inteiro.
E aí esta hora, conheci que, o Reinaldo,
qualquer coisa que falasse, para mim virava sete vezes.[xxv]
Riobaldo já está tomado por sua
amada, sua palavra multiplicadora aparece com a multiplicação da força de uma
lei. A atração pela quebra da razão continua. A palavra é a lei.
Pessoa limpa, pensa limpo. Eu acho. Depois, o
Reinaldo disse: eu fosse lavar corpo, no rio. Ele não ia. Só, por acostumação,
ele tomava banho era sozinho no escuro, me disse, no sinal da madrugada.
Sempre eu sabia de tal crendice, como alguns
procediam assim esquisito — os caborjudos, sujeitos de corpo-fechado[xxvi].
A configuração do romance de Guimarães
Rosa como novela de cavalaria aumenta aqui: como no banho de cavaleiro. Além
disso, a estranheza do Reinaldo (que é Rei.) em se banhar sozinho
escondido, no escuro proceder esquisito dos que tem o corpo fechado misterioso.
Na realidade, Reinaldo tinha o corpo “fechado”, proibido.
— “Pois então: o meu nome, verdadeiro, é
Diadorim.. Guarda este meu segredo. Sempre, quando sozinhos a gente estiver, é
de Diadorim que você deve me chamar, digo e peço, Riobaldo...”[xxvii].
Diadorim revela meia verdade: Não diz que
é mulher mas diz que seu nome (portanto seu ser) não é Reinaldo nas Diadorim. É
a confidência amante.
“Que
é que é um nome? Nome não dá: nome recebe”[xxviii].
Parodiando
Shakespeare, o narrador sente. que o nome “Diadorim” recebe a significação
melhor de sua essência, de sua qualidade.
— “vamos embora daqui, juntos, Diadorim? Vamos para longe, para o porto do
de-Janeiro...”[xxix].
Riobaldo
quer retrocesso, voltar a lógica, voltar à infância do amor quando
sua mãe Bigri ainda vivia, voltar ao porto de-Janeiro onde ele conhece o
Menino, embrionário ponto de sua travessia. É o estado uterino do amor que teme os lances ilógicos da vida de Jagunço de guerra
ilógica. É o amante que quer
casar-se fugir com sua amada, para um cantinho sossegado, ninho de amor
burguês. Reação.
“Diadorim
era mais do ódio do que do amor?”[xxx].
Diadorim
empenha-se na luta, maior é a vingança que o amor. A relação amor e ódio:
“Beleza feroz”
Ele, Diadorim? Aonde
ia, sem mim então (...) onde tava o amigo? Diadorim, na pior hora, tinha
desertado (...) às certas, fuga fugida, ele tinha ido para perto de Joca Ramiro[xxxi].
O Pai
(o Poder) sempre foi, em Diadorim, maior do que o amor. Riobaldo abandonado
nunca conseguiu arrancar o Amigo dos trilhos da jagunçagem, mas ao contrário: É
Diadorim quem o leva para 1á, o seu rastro. Riobaldo nunca conseguiu arrancá-lo
da lei do pai, do sexo (imposto) pelo pai, nunca o fez mulher como Diadorim era
de fato. O poder burocratizou Diadorim até a morte.
“A
boa surpresa, Diadorim vindo feito um milagre alvo”[xxxii].
Diadorim retorna, renovam-se as
esperanças do amado.
Apertou em mim aquela tristeza pior de todas, que
é a sem razão de motivo (...). Dormi, nos ventos, Quando acordei, não cri: tudo
o que é bonito é absurdo — Deus estável. Ouro e prata que Diadorim aparecia
ali, a uns dois passos de mim, me vigiava[xxxiii].
Riobaldo enfada-se da paz (está contagiado
agora, pela belicosa amada) não há guerra. Sente necessidade de mulher amolece
entedia-se “no meio da quebreira” Sente um vazio de onde sai pela proteção de
seu anjo-de-guarda Diadorim “Jagunço amolece, quando não padece”[xxxiv].
Riobaldo agora já é jagunço, essencialmente, radicalmente. Estamos perto da pagina
224 em que se anuncia a morte de Joca Ramiro. A paz atual é aquela perigosa paz
que precede as tempestades. Vem aí a guerra maior a guerra da dura vingança.
Vem aí o pacto de Riobaldo com o Diabo. Vem aí o ódio, nascido da sexualidade
não correspondida. “Tudo o que é bonito é absurdo”
— “Mataram Joca Ramiro!...
Aí estralasse tudo — no meio ouvi um uivo doido de
Diadorim (...) Diadorim tinha caído quase no chão, meio amparado a tempo por
João Vaqueiro[xxxv].
É uma passagem decisiva, um momento de risco
na narrativa, um traço, elemento estrutural do romance. Algo muda, a partir dai,
ressurgem paixões ocultas chega-se ao terreno do ódio e do diabo. Ódio
misturado com uma sexualidade animal. “O ódio que se mescla ao amor provém em
parte das fases preliminares do amar não inteiramente superadas”[xxxvi].
“De
Diadorim eu devia de conservar um nojo[xxxvii]”.
O Riobaldo cada vez mais carente de
mulher, o episódio do onanismo do Conceiço, os instintos primários, de procriação
animal, misturados com o ódio provocado pelo desejo de vingança da morte do
chefe do Pai Joca Ramiro. Riobaldo se masturba. Isola-se. É um
momento de solidão do texto. Não mais o lirismo dos primeiros momentos
amorosos; É a estação do Diabo.
A própria figura do novo chefe Zé Bebelo, não tem mais o carisma de Joca
Ramiro, nem o heroísmo mudo de Medeiro Vaz. Zé Bebelo tem algo de diabólico, de
Maquiavel de político. A seguir na pagina 248, começará a guerra e o ódio, onde
estes instintos sexuais serão descarregados no ódio da ponta das balas.
Matam-se os cavalos. “Deus é um gatilho?”[xxxviii].
É o domínio diabólico do ódio:
“Se uma relação de amor com um dado objeto for rompida, o ódio surgirá em seu lugar”[xxxix].
“A roubo, estive perto de Diadorim,
quase só para espiar, quase sem a conversação”[xl].
Riobaldo perde a capacidade de amar
portanto de falar Paira no ar uma atmosfera de desconfiança, de morte. Eles
estão cercados na Casa, cercados pelas tropas do diabo e do ódio. A realidade é
suspeição.
... estava
sombrio, os olhos riscados, sombrio em sarro de velhas raivas, descabelado de
vento. Demediu minha idéia: o ódio — é
a gente se lembrar do que não deve-se; amor é a gente querendo achar o que é da
gente[xli].
O ódio se apodera de Diadorim, a guerra e
a época do Diabo. “Quando os instintos do ego dominam a função sexual /.../
eles transmitem as qualidades de ódio também a finalidade instintitual”[xlii].
“Diadorim vinha constante comigo. Que
viesse sentido, soturno?”[xliii]
Diadorim é contagiado (magoado) pelo
coração do amigo. Riobaldo está cada vez mais perto do Diabo.
— Escuta, Diadorim; vamos embora da
jagunçagem[xliv].
A narrativa é feita de avanços e recuos. Riobaldo
tem um momento de retrocesso no seu caminhar para o Mal. Diadorim não concorda,
é sempre responsável por sua perdição. “Está chegando a hora d’eu ter que lhe
contar as coisas muito estranhas”[xlv].
“Mas eu não ri. Ah, daí, não ri honesto
nunca mais, em minha vida”[xlvi].
Riobaldo no contágio do Mal.
“Diadorim mesmo estranhou aqueles maus
modos”[xlvii].
Riobaldo impregnado do Mal.
— “Repugno: que você está
diferente de toda pessoa, Riobaldo... Você que dansação e desordem...”[xlviii].
Diadorim reconhece no amigo sua impregnação
demoníaca, mesmo tendo de vingar seu pai. Mistério.
Diadorim
não ia me mentir. O amor só mente para dizer maior verdade[xlix].
Riobaldo entre em certa competição e
desconfiança, com Diadorim. Suspeita.
Tu vigia, Riobaldo, não deixe o diabo te
por sela...[l]
Riobaldo chega a ter raiva de
Diadorim, mesmo por alguns minutos. Diadorim reconhece nele a presença do
diabo. Mistério.
Homem, ele já estava morto.
Que a Diadorim dissesse: que dissesse. Que aquele homem leproso era meu irmão,
igual, criatura de si? Eu desmentia[li].
Enquanto Riobaldo se faz mais cruel
Diadorim passa a ser sua consciência. O controle racional.
Diadorim, nas asas do instante, na pessoa
dele vi foi a imagem tão formosa da minha Nossa Senhora da Abadia:[lii].
A oposição continua, Diadorim pertence ao
Bem, Riobaldo pertence, agora, ao
Mal. Mistério.
De que
jeito eu podia amar um homem, meu de. natureza igual, macho em suas roupas e
suas armas, espalhado rústico em suas ações?[liii].
Riobaldo disfarça o sentido da oposição.
Diz que se afasta de Diadorim porque ele é homem, e por isso não pode amá-lo.
Não aceita que ele e Diadorim se achem separados pela oposição dual do Bem e do
Mal.
Assim conforme Diadorim tinha expedido o
recado, para minha Otacília, mediante o arrieiro de uma tropa. Pejei por afirmara
idéia nisso, que próprio depois eu enxotava. Às vezes as melhores haviam de ser
as rezas de mais longe, desconhecidamente[liv].
Diadorim ultrapassa seu ciúme apela para
sua rival Otacília, por amor a Riobaldo.É
um lance de abnegação de extrema necessidade do amor. É uma espécie de
conivência, de que fala Barthes:
Aquela/aquela com quem posso falar do ser
amado é aquele/aquela que o ama tanto como eu o meu simétrico, o meu rival, o
meu concorrente (a rivalidade é uma questão de posição). Posso enfim comentar o
outro com quem compreende[lv].
Diadorim se chegou, com uma avença. Para meu
sofrer, muito me alembro. Diadorim, todo formosura. — “Riobaldo, escuta: vamos na estreitez deste
passo...” — ele disse; e de medo não tremia, que era de amor — hoje sei[lvi].
Riobaldo acabara de atravessar — sem obstáculos! — o Liso do Sussuarão, estava próximo do
Hermógenes: Diadorim pressente seu fim.
Apressar o passo é apressar o tempo disponível para que os amantes vivam
juntos, diminuir seu amor Estar próximo do Hermógenes é estar próximo do Diabo.
Mas, Diadorim concordou com os fatos, em
armas, em frente[lvii].
Depois de ter demonstrações de
bondade em oposição a seu diabólico amigo, Diadorim reassume o ódio, vingador
da morte do Pai, e concorda na destruição da casa do Hermógenes, na matança
geral (“até boi manso que lambia orvalhos até porco magro em beira de
chiqueiro”[lviii])
Entretanto tal matança satisfaz o Mal, que em breve abandonara a cena.
— “Você já está desistindo dela?”[lix].
Riobaldo acabara de “vadiar” com as
mulheres do Verde-Alecrim. Diadorim, ao contrário do que se espera, não se
irrita, mas até riu de leve satisfeito. Teria ele desistido de sua noiva
Otacília? Já que andara com tantas mulheres sem nenhum remorso,
despreocupadamente, teria ele esquecido Otacília?
Diadorim ”...” perguntou,
esconso, se eu queria aquela guerra completamente /.../ Remeniquei: —
“Uai, Diadorim, pois você mesmo não é que é o dono da empreitada ?”[lx].
Diadorim retrocede, pressente sua morte, hesita,teme morrer (por
deixar o amigo, certamente livre para Otacília) Diadorim sabe que a vingança de
Joca Ramiro é um pretexto para descarregar o ódio diabólico de que está
possuído Riobaldo, que o sentido de matar e de destruição (de que o amigo está
possuído) não é “saudável”.
Este ódio, que se apodera de Riobaldo, foi
analisado aqui como um ódio instintual: A luta pelo objeto de desejo impossível
(Diadorim) apareceu em Riobaldo “sob a forma de una ânsia de dominar, para a
qual o dano ou o aniquilamento do objeto e indiferente”[lxi].O
amor nessa forma não se distingue do ódio em sua atitude para com o objeto. que
o ódio não se dirigiu para o objeto (Diadorim), escamoteou-se para o inimigo
que se achou à disposição (Hermógenes) Relação metonímica. O ódio baseia-se em
parte nas realizações de rejeição aos instintos do ego. Estes instintos podem
encontrar fundamentos em motivos reais e contemporâneos. O ódio tem como
fundamento os instintos autopreservativos.
Se uma relação de amor com um dado objeto for
rompida, freqüentemente o ódio surgira em seu lugar, de modo que temos a
impressão de uma transformação do amor em ódio. O ódio, que tem os seus motivos
reais, é aqui reforçado por uma regressão do amor a fase preliminar sádica, de
modo que o ódio adquire um caráter erótico, ficando assegurada a continuidade
de uma relação de amor [lxii].
Diz mais Freud, na página 44 da
Metapsicologia: “A mudança do conteúdo de
um instinto em seu oposto só é observada num exemplo isolado a transformação do
amor em ódio[lxiii].
É como a critica “racionaliza”.
Diz a razão que o ódio nascido em Riobaldo,
creditado por seu pacto com o Demônio, tenha origem em seus instintos sexuais,
provocados pelo seu desejo insatisfeito e “impossível” de realizar-se em
Diadorim. O ódio de Diadorim e de Riobaldo têm um só endereço: O Hermógenes. Os
dois amantes descarregam o ódio, desviado de seu objeto inicial (o próprio
objeto amado) para um motivo “real e contemporâneo” Freud diz que e
particularmente comum “encontrar ambos (o amor e o ódio) dirigidos
simultaneamente para o mesmo objeto”[lxiv],
e sua coexistência oferece o exemplo mais importante de ambiva1ência de sentimento.
O caso de amor e ódio adquire especial interesse
pela circunstância de que se recusa a ajustar-se a nosso esquema dos instintos
impossível duvidar de que exista a mais íntima das relações entre esses dois sentimentos
opostos e a vida sexual[lxv].
Para poder matar o Hermógenes era que eu
tinha conhecido Diadorim, e gostado dele, e seguido essas malaventuranças, por
toda a parte?[lxvi]
Riobaldo quase “acerta” no seu argumento
de amor e ódio.
A
modo que o resumo da minha vida, em desde menino, era para dar cabo definitivo
do Hermógenes — naquele
dia, naquele lugar[lxvii].
O destino de Riobaldo era o amor de
Diadorim transformado em ódio vingativo, de matar o Hermógenes.
— O senhor não fala sério![lxviii]
Riobaldo
tenta seduzir Diadorim, quase no fim de sua vida, quase no fim de sua
narrativa. Diadorim reage assustado.
Diadorim a vir — de topo da rua, punhal na
mão, avançar — correndo amouco .../.../ Assim, admirei e vi o claro claramente:
aí Diadorim cravar e sangrar Hermógenes ... Ah, cravou em vão — e ressurtiu o
alto esguicho de sangue: porfiou para bem matar![lxix]
A cena
final de Diadorim vivo.
Diadorim
— nu de tudo. E ela disse. — “A Deus dada. Pobrezinha ...[lxx]
É o fim: “Aqui a
estória se acabou. Aqui, a estória acabada. Aqui a estória acaba”[lxxi].
Os semas recolhidos
na leitura dos textos são: Mistério (12 vezes) atração (12 vezes) ver (9 vezes)
beleza feroz (6) casamento (5) companhia (3) suspeita (3) ciúme (2) controle
(2) impertinência (2) calma (2) rejeição (2) abnegação (1) feminilidade (1)
Distribuem-se da seguinte forma:
VER
|
ATRAÇÃO
|
COMPANHIA
|
BELEZA FEROZ
|
REJEIÇÃO
|
MISTÉRIO
|
Neste
quadro acima, COMPANHIA envolve: Casamento, controle, ciúme, abnegação e
feminidade.REJEIÇÃO envolve: Impertinência e suspeita. MISTÉRIO envolve: Calma.
Concluímos
com as seguintes tabelas que mostram a revolução da emoção sobre a razão:
Tabela I: DO
VER
RIOBALDO
|
DIADORIM
|
|||
Reminiscência
|
Mundo mágico
|
|||
Sujeito
|
Objeto estranho
|
|||
Seduzido
|
Sedutor
|
Tabela II: DA ATRAÇÃO
RIOBALDO
|
DIADORIM
|
|||
Sexualidade
|
Assexualidade
(castração)
|
|||
Atraido
(pela amada para a jagunçagem)
|
Atrai (o
amado para a jagunçagem)
|
|||
Deseja
possui (pai)
|
Deseja
possuir (mãe)
|
|||
Édipo
|
Electra
|
|||
Bala
(falo)
|
Punhal
(fenda, castração)
|
|||
Sob o
signo do desejo
|
Sob o
signo do não possuído
|
|||
Eros
|
Tanatos
|
Tabela III: DA
COMPANHIA
RIOBALDO
|
DIADORIM
|
|||
Mãe (Bigri)
|
Pai (Joca Ramiro)
|
|||
Mãe fraca
|
Pai forte
|
|||
Menino com a mãe
|
Menino com um cigarro
|
|||
Margem (lar)
|
Outra margem (jagunçagem)
|
|||
Civilização
|
Natureza
|
|||
Separado da mãe
|
Separado do pai
|
|||
Promessa materna
|
Proibição paterna
|
|||
Sociabilidade fraca
|
Solidão (associabilidade)
|
Tabela IV: DA
BELEZA FEROZ
RIOBALDO
|
DIADORIM
|
|||
Pertinência (Otacília)
|
Impertinência
|
|||
Homem amado
|
Mulher armada
|
|||
Bigri (mãe)
|
Joca Ramiro (pai)
|
|||
Pacto
|
Proibição
|
|||
Destinado
|
Mistério
|
Tabela V: DA
REJEIÇÃO
RIOBALDO
|
DIADORIM
|
|||
Homem
|
Travesti
|
|||
Ódio por contágio
|
Ódio por natureza
|
|||
Induzido
|
Herdeiro
|
|||
Vence Hermógenes
|
Mata Hermógenes
|
|||
Substitui
o pai, quebrando
a castração |
Mata o
assassino do pai,
mantendo a castração |
|||
Atração
sexual
|
Rejeição sexual
|
|||
Ativo
para a Vida
|
Ativo para morte
|
Tabela VI: DO
MISTËRIO
RIOBALDO
|
DIADORIM
|
|||
Destinado
|
Destino
|
|||
Semi-Sociedade
|
Marginalidade
|
|||
Vida e Risco
|
Morte
|
|||
Semi-Pacto e poder temporário
|
Luto e morte
|
|||
Semi-autorizado
|
Proibido
|
2.3.2.2 - Diadorim
Do que observamos nas 6 tabelas, no que se
refere a Diadorim, é a superação do princípio do prazer e do princípio da
realidade. Riobaldo, o narrador, necessita de um mínimo de razão para a
organização do discurso narrativo. Diadorim é mais livre, é mais liberdade, é
mais solto, “limpo” e heróico. Nos dois, entretanto, pois um contagia o outro,
um segue a esteira do outro (Riobaldo seque Diadorim nas veredas da
jagunçagem), nos dois, entretanto, assiste-se a superação do princípio da
subjetividade sobre o princípio da razão, da realidade, da objetividade. Mas a
vingança da morte de Joca Ramiro e postulada como a vitória da paixão sobre o lógico.
A razão da narrativa lógica de Riobaldo e o necessário para que o fio condutor
seja atado, e porque este personagem está mais pr6xi-mo de Guimarães Rosa do
que Diadorim. A reminiscência não é a lógica.
Como objeto, Diadorim é objeto do
estranhamento, do misterioso. Apesar de desejar castrar, esta castração se
destina ao lógico (a sexualidade como norma de acompanhamento do amor, da
atração). Cortando a sexualidade de Riobaldo, Diadorim corta a naturalidade
socio-psicológica e histórica da atração. Pois sexualidade, mesmo
homossexualidade, é histórica. A sexualidade de Diadorim e sem escolha
objetual, é mais de atração do que de realização (Diadorim recusa a
racionalização freqüentemente como ser possuído de um trágico auto-sacríficio a
algum deus escondido).
E, se a sociabilidade de Riobaldo é fraca,
a de Diadorim é nula; ela é assexual, é associal, seu signo é o de completa
solidão.
Assim, Diadorim é a impertinência é o
mistério a que é “destinado” Riobaldo. É mais natureza, menos sociedade. Mais
marginalidade, menos ordem. Seu signo é o signo da superação de si mesmo e de
tudo. Proibido (Riobaldo e semi-autorizado,posto em luto e morte, em ódio e
vingança, em rejeição sexual e assassínio, travestido, misterioso,
impertinente, solitário,posto na outra margem, sob o signo de Tanatos, do não
possuído, do punhal na fenda da castração, castrante, atraente e corruptor,
assexual, sedutor, estranho e mágico, Diadorim é a superação do desejo e da
razão, do prazer, do irracional e do desviante, dos poderes da ordem
estabelecida.
Riobaldo é mais uma ponte de união
entre o nosso mundo e o mundo fora dos gonzos de Diadorim. De professor a
jagunço, é semi, é quase: Semi-autorizado, semi-pacto, poder temporário, tem o
que arriscar na vida (Diadorim não, já esta nos domínios da morte), parte da
sociedade para a marginalidade, é por isso semi-social, e destinado, tem ação
para a vida (Diadorim tem ação para morte), tem sexualidade (isto é, vida
social, sociabilidade: Diadorim não tem sexualidade devido à sua associabilidade,
devido ao seu isolamento e sua recusa) e contagiado pelo amigo, seduzido,
induzido, destinado, mais pertinente do que Diadorim, mais social do que ele,
mais “civilizado” do que o outro (que é mais natureza) , mais do lar (que o
vence, afinal, pois Riobaldo termina aburguesado), mais Eros do que Tanatos,
mais desejo e posse, sexual, mais sujeito do que estranho objeto, mais lógico
em suas reminiscências.
Riobaldo tem a Mãe Bigri, tem
Otacília; Diadorim nada tem, pois Joca Ramiro é mais mito do que personagem.
Diadorim revoluciona mais do que
Riobaldo. é um protesto mais feroz, mais fecundo. Mais punitivo, mais arcaico,
mais heróico. Mais existencial.
A relação Riobaldo/Diadorim é a
possibilidade de sair do eixo. Diadorim ~ o objeto, sim, mas um objeto
abrangente, cujo sentido escapa sempre, busca o inconcebível, o que não teve
raízes, a misteriosa obscuridade, Desconsolida a condição humana, deixada a
descoberto. Busca um não-ser, uma existência dissolvida, separada dos sistemas
do racionalismo, desprotegida. Diadorim não é mais o “homo sapiens”, mas a
vitória da emoção dos dramas particulares e anti-heróicos que fizeram o triunfo
do romantismo. Como indivíduo, Diadorim não se insere num contacto social
amplo, num sistema amplo, num modelo amplo.
Diadorim é, também o oposto das evidência,
é um herói trágico.
Diadorim é o inacabado, na luta contra as
evidência, tem superação da poesia e do trágico, não tem valor senão para a
própria vida, sempre inacabada, sempre em fazer-se, contra o desejo de dar um
sentido lógico e útil à vida das profundezas, contra os fatos uniformes e
prontos, eficazes (Diadorim é a ineficácia) , contra os esquemas racionais
aplicados a todos os fatos. Diadorim é a “verdade” do instinto e da
subjetividade, transcendente estado de profundeza íntima. Nada há que o
justifique ou que o redima, é um ser em luto. Sua condição humana reabsorve a
condição mortal e efêmera do homem, que não recusa a emoção e o alarme de tudo
que alarma comove. Diadorim não se mede a metro, a balança, é um ser inqualificável,
sob o reinado integral do que supera o seu mundo. Não é um ser adequado e
seguro, é um puro possível, cuja definição não entra em conta. A vida em
Diadorim amplia-se com a morte, vai até limites mais distantes do que os da
vida, é a vida que submerge na morte, não a morte que estanca o fluxo da vida.
Diadorim é pois temporalidade, intuição de
uma angústia básica de descompromisso com o princípio da realidade. Sua
história é uma trajetória direta em direção ao que escapa às quantificações do Poder,
direto ao revolucionário, à negatividade absoluta, a rejeição da totalidade.
Seu passado é um surto direcionado ao aniquilamento futuro. É a vida que
fascina, não a ciência que explica. é a vida como milagre, como obscuridade.
Como liberdade de escolha da decisão última. Do suicídio. Diadorim é uma
espécie de suicida. Pois a vida,para ele, é mais ameaça do que construção
indiferente é angustia existencial do sujeito.
Diadorim é a vida, em si mesma
injustificável, ou contraditoriamente por si mesma justificada, mas sempre no
nível da inverossimilhança da morte, da contingência da morte, da gratuidade da
morte, da sua nulificação.
Diadorim é, entretanto, mais um ser
condenado do que um ser livre. Não escolheu seu caminho de ser, não teve a
iniciativa, escolha. Não se criou a si mesmo. Não projetou ser. Mas sua
abstenção também é uma escolha, uma liberdade. Diadorim aceitou ser Diadorim,
ficou sendo. Não deixou de ter a liberdade de escolha. Não deixa de ser
responsável por si. Encontra-se no ambíguo porque quer. Não lhe falta coragem,
como personagem, vive o risco da vida diária da guerra, nunca conheceu o que
era medo. Pode decidir o seu destino, pode inventar caminhos, pode criar seus
próprios valores. Porque nunca teve medo. Pois o homem livre pôde inventar seu
próprio caminho, sua própria perdição, seu próprio suicídio. A ausência de medo
é uma premissa imprescindível. Diadorim buscou sua própria solidão, escolheu
sua direção existencial. Pois o homem existe inicialmente, e se define em
seguida. é isso que Diadorim esta a dizer, nos labirintos em que se
entredimensionou, sem perder em dignidade e em maturidade. Pois o homem se
define pelo que faz. Feliz ou infelizmente, apesar do peso do Poder, ao homem
tudo é permitido. Isto caracteriza o herói moderno. É o homem quem dá o sentido
que quer a sua própria vida. Pode criar um caos sem sentido, mas pode dar um sentido
ao caos, se tiver força e coragem. Pode ser um joguete nos dados do mundo, pode
ser uma impossibilidade, ou pode ser um herói fecundo de direções, de
salvamento e de felicidade. Mas a liberdade se dá dentro da prisão e não fora
dela. A liberdade é mais para dentro do que para fora. Fora nada é possível.
O
Riobaldo narrador não é o Riobaldo Tatarana, assim como D. Casmurro não é Bentinho.
A morte de um faculta a narração do outro.
A um chamaremos de Riobaldo (o Tatarana).
A outro, de narrador (sem a maiúscula simbolizante).
Pois, apesar de não ter o trágico a
necessidade da morte e todos os membros de sua família trágica (Édipo sobrevive
em Colona), assistimos em Grande Sertão:
Veredas à morte narrada de Diadorim e à morte de
Riobaldo por deslocamento de ator a produtor (de Riobaldo a narrador).
O Riobaldo ator morre com a morte de
Diadorim. O Riobaldo narrador nasce com a “nonada”.
Diadorim não é um ser (é um personagem).
Diadorim não é homem, não admitiu ser mulher (nem é homossexual). É assexuado,
por isto (também) é ninguém.
A impessoalidade é um fenômeno humanamente
trágico, embora “normal” visto do plano divino. Mas é o impessoal, que se vê impessoal,
e se revolta contra sua impessoalidade, que tem a consciência de não-ser, ou
que tem a consciência de ser-um-vazio, e quando esse vazio, esse não-ser,
nada-ser ou não-ser-nada, quando esse
não-ser quer ser algo o resultado de seu esforço por ser-algo é o acontecimento
trágico.
O nada que quer emancipar-se, para passar
a ser, esbarra na inutilidade de seus esforços de ser. Pois todo esforço que
parte de algo tende a expandir o que é em ser mais, portanto na natureza do
esforço mesmo de ser, a partir do nada, reside uma pretensão de emancipar, que
portanto é trágica.
Que Riobaldo amou um ser insubsistente, um
ser da esquivança, do retraimento, da reserva: Eis a condição do
trágico.
A vingança da
morte de Joca Ramiro revela o ódio de Diadorim: Matando Joca Ramiro, o
Hermógenes o matou.
Diadorim subsistia do que dele fez o
Poder, a Lei, o Pai. Diadorim não era, em si mesmo, senão um ser (ou a sede de
um ser) produzido por seu pai.
O pai, que dá o nome, dá o ser, pois o ser
no caso é o nome. Como em Diadorim o nome não aponta para um ser definido que
se erige nomeando, a morte do pai é a morte do criador sem que o criado se
possa emancipar, num passo de independência. O nome não é Diadorim, nem
Reinaldo.
Quando morre o pai, a emancipação do filho
se dá na subsistência desse código de valores sociais que passam a ser seu
sustentáculo de ser. Tais valores, tal ser. Morto Joca Ramiro, Diadorim em nada
pode sustentar-se, senão numa lembrança trágica: Os valores sociais vigentes
não o sustentam vivo.
A lembrança trágica é aquela que não dá
subsistência, mas alimenta uma revolta. Diadorim se revolta CONTRA seu nada,
contra seu pai. E, por metonímia, matando o Hermógenes, esta matando o pai,
morrendo com o Herm6genes esta morrendo com o pai, pois Diadorim e um complemento
ambíguo do pai Joca Ramiro.
Se a lembrança não fosse trágica, tal
lembrança poderia servir de base de sustentação para o subsistir de Diadorim.
Diadorim poderia viver da lembrança do pai. Entretanto, como tal lembrança
lembra a vingança nos vários sentidos de vingar sua morte (de Joca
Ramiro e de si mesmo, Diadorim), fez-se com tudo isto uma estrutura trágica
sutil, subjacente, na latência de sua ambigüidade (e portanto de seu nada).
Assistimos, portanto, a multíplice morte:
a) Diadorim
mata quem matou seu pai (seu criador);
b) Diadorim
mata seu pai, matando Hermógenes por metonímia;
c) Diadorim
mata quem matou Diadorim (mata o pai);
d) Diadorim
se mata matando o Hermógenes.
Diadorim e um herói posto no fluxo que o
levara a morte. É em si e como tal uma “contradição irremediável”. Morrendo
heroicamente, mesmo com abandonar Riobaldo, patenteia Diadorim uma dignidade, a
“dignidade da queda”. A “falha” de Diadorim se contrapõe a seu crime moral,
como culpa não imputável. O conteúdo trágico de Diadorim é uma espécie de fato
de “Direito natural”, no sentido de herdeiro direto das determinações de Joca
Ramiro, o que faz e o feito.
A atitude de isolamento, visando realizar
um projeto, levanta nele, e contra ele, conflitos sociais irremediáveis, coloca
Diadorim ao nível do Pai de A terceira margem do rio. Por isso, Diadorim
passa a personificar a catástrofe. Riobaldo amou a catástrofe.
[i] ROSA, G.
(1976), p.19.
[ii] Ibidem
p.22.
[iii] Ibidem
p.23.
[iv] Ibidem
p.23.
[v] Ibidem
p.25.
[vi] Ibidem
p.25.
[vii] Ibidem
p.28.
[viii]
Ibidem p.30.
[ix] Ibidem
p.30.
[x] Ibidem
p.38.
[xi] Ibidem
p.42.
[xii] Ibidem
p.47.
[xiii]
Ibidem p.65.
[xiv] Ibidem
p.65.
[xv] Ibidem
p.80.
[xvi] Ibidem
p.81.
[xvii] BARTHES,
R. (s/d), p.90.
[xviii]
Ibidem p.91.
[xix] ROSA,
G. (1976), p.81.
[xx] Ibidem
p.82.
[xxi] Ibidem
p.97.
[xxii]
Ibidem p.107.
[xxiii]
Ibidem p.107-108.
[xxiv]
Ibidem p.112.
[xxv] Ibidem
p.112.
[xxvi]
Ibidem p.113.
[xxvii]
Ibidem p.121.
[xxviii]
Ibidem p.121.
[xxix]
Ibidem p.141.
[xxx] Ibidem
p.147.
[xxxi]
Ibidem p.174-175
[xxxii]
Ibidem p.181.
[xxxiii]
Ibidem p.219.
[xxxiv]
Ibidem p.223.
[xxxv]
Ibidem p.224.
[xxxvi] FREUD, S. (1974), p.51.
[xxxvii]
ROSA, G. (1976), p.240.
[xxxviii]
Ibidem p.260.
[xxxix] FREUD, S. (1974), p.51.
[xl] ROSA,
G. (1976), p.267.
[xli] Ibidem
p.273.
[xlii] FREUD, S. (1974), p.51.
[xliii]
ROSA, G. (1976), p.282.
[xliv] Ibidem
p.283.
[xlv] Ibidem
p.289.
[xlvi]
Ibidem p.293.
[xlvii]
Ibidem p.323.
[xlviii]
Ibidem p.353.
[xlix]
Ibidem p.368.
[l] Ibidem
p.371.
[li] Ibidem
p.373.
[lii] Ibidem
p.374.
[liii]
Ibidem p.374.
[liv] Ibidem
p.378-379.
[lv] BARTHES, R. (s/d), p.81.
[lvi] ROSA,
G. (1976), p.386.
[lvii]
Ibidem p.390.
[lviii]
Ibidem p.390.
[lix] Ibidem
p.401.
[lx] Ibidem
p.403.
[lxi] FREUD,
S. (1974), p.50.
[lxii]
Ibidem p.51.
[lxiii]
Ibidem p.44.
[lxiv]
Ibidem p.44.
[lxv] Ibidem
p.44.
[lxvi] ROSA,
G. (1976), p.409.
[lxvii]
Ibidem p.434.
[lxviii]
Ibidem p.437.
[lxix]
Ibidem p.450.
[lxx] Ibidem
p.453.
[lxxi]
Ibidem p.454.
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