segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

2.3.3.2 - Do sertão pós-romântico

2.3.3.2 - Do sertão pós-romântico

O que se percebe, logo no início de Os sertões é que o texto quer enaltecer no máximo possível a força da paisagem, através do uso de um discurso forte. O fantástico, na literatura brasileira, é a descrição da lógica do sertão, lógica esta que está na descrição tanto quanto na narração. Assim, a descrição da mágica, em Euclides. “Escarpas inteiriças, altas e abruptas. Assoberba os mares”[i], “feito dilatado muro de arrimo” (p.4), “abrem-se adiante os feudos vales de erosão do rio” (p.6), “diluvianos aguaceiros (p.8). Euclides pinta gigantescamente a terra, preparando o espanto do leitor. A terra tem, pintada por ele, um cunho realisticamente fantástico:
Terra ignotaem que se aventura o rabisco de um rio problemático ou idealização de uma corda de serras” (p.10). O sertão estéril, abre caminho para um canto heróico. “As lindes de um deserto” (p.l2), “espectros de árvores” (p.l2). E, à medida que o sertão fica mais plano, o vocabulário fica mais liso, mais simples, mais claro, mais tranqüilo e horizontal, no “traço melancólico das paisagens...” (p.13). As imagens do fantástico de Euclides são como os agentes químicos e mecânicos que modificam e decompõem a realidade, impondo a mágica visão de um outro mundo. Euclides operou uma espécie de decomposição molecular dos lugares. “Deste modo se tem a cada passo, em todos os pontos, um lineamento incisivo de nudez extrema” (p.15)
É um terreno primário, arqueológico, que ele traça. Uma sugestão de sonho, um delírio geológico. Uma visão retrospectiva do mundo, uma profecia arqueológica da vida, com a força das “energias revoltas de um cataclismo” (p.l7). E um geologismo mitológico descampadamente subjetivo.
Euclides continua, durante muitas páginas, com denso virtuosismo, “num exame mais íntimo do quadro” (p.31), sumariando a geografia das secas, rastreando a “razão” das regularidades obscuras, vendo a complexidade “imanente aos fatos concretos” (p.32), fazendo mais literatura do que ciência.
A caatinga é a travessia daquela “estepe nua”, do “horizonte largo”, da “perspectiva das planuras francas” (p.34). A luta pela vida nas caatingas e mais obscura e original, espremida por entre “a flora moribunda”, com os “estigmas desta batalha surda” (p.35).
A crueza das secas é subitamente quebrada por “volumosas tormentas”, “em aguaceiro diluviano”. E a flora renasce, o umbuzeiro, a jurema... o sertão agora é um paraíso. Então, as manhãs subjetivas irradiam “os festões multicores”, e luz sem par, os dias, os meses são “venturosos”, “derivados da exuberância da terra” (p.44)
“O martírio do homem, ali, é o reflexo de tortura maior, mais ampla, abrangendo a economia geral da Vida”(p.55).
A seguir, Euclides vê a “complexidade etnológica do homem”, a “ação do meio”, a “gênesis dos jagunços”, o sertanejo, os vaqueiros, e entra na figura de Antônio Conselheiro, “atávico”, “grande homem pelo avesso”, feito um monstro, as suas lendas, as suas profecias. Vê Canudos, a subjetividade do sertão é a polícia de bandidos. E a população, seus templos e rezas.
A subjetividade do sertão é indicada por uma servidão permanente, inconsciente, pois a honra é lei do sertão, lei aérea, não escrita.
Por isso, o sertão é um lugar lendário, onde vagam obscuridades.
A subjetividade do sertão é tradução de um rigor moral absoluto, da castidade exagerada.
O sertão de Canudos vivia sob o signo do Juízo Final, sob a iminência de catástrofes “inflexíveis”. “A História não iria até ali” (p.506).
“Quem lhe rompe as trilhas, ao divisar a beira da estrada a cruz sobre a cova do assassinado, não indaga do crime. Tira o chapéu e passa”(p.506).
O sertão, digo, Canudos “não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo” (p.541). E “não existe um Maudsley para as loucuras e os crimes das nacionalidades...” (p.543).





[i] CUNHA, E. da. (1956), p.3.

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